terça-feira, 18 de setembro de 2012

Capítulo 8 - Parte 2

Capítulo 8: Segredos Não Revelados

Parte 2: Chamado do Rei




Várias horas de caminhada já haviam passado e novamente os pés da jovem princesa doíam. Ela havia tentado se comunicar mais com Ian durante o dia todo, mas enquanto ele estava seguindo em sua frente, pouco respondia.

- Alan! Pare! Meus pés estão doendo! Vão criar calos se continuarmos! – estava ficando muito para trás e já arrastava os pés.
- Meu nome não é Alan. – continuou caminhando, ladeando a estrada de terra.
- Não vou continuar! – finalmente parou e sentou-se sobre a raiz de uma grande árvore, levemente ofegante.
- Vossa Alteza não pode parar o tempo todo se quiser chegar logo em Miraluna. – parou e virou-se para ela, a mais de dez metros à frente.
- E não vou chegar nunca se eu ferir meus pés! – tirou uma das botas e verificou o estado de seu pé – Veja isto! Há uma bolha d’água na lateral do meu pé! – esbravejou dramaticamente.
- Coloque a bota de volta no pé. – estava se aproximando da princesa, mas parou de repente, olhando a sua volta atentamente.
- E está ficando frio. Logo esta roupa não vai ser suficiente. – fitou-o e percebeu que Ian parecia apreensivo com algo – O que está procurando?
- Silêncio. – sussurrou, mostrando a palma da mão para ela, sem virar o rosto em sua direção.

A princesa ficou com medo do que poderia ser e encolheu-se, colocando a bota rapidamente.

- Vamos sair daqui. – Ian sussurrou mais uma vez e se aproximou da jovem.
- Me diga o que está havendo. O que você viu? – levantou-se assustada.
- Nada. Vamos. – pegou-a pelo braço e a arrastou consigo.
- Pare! – puxou na direção contraria.

O estranho sujeito parou mais uma vez e visualizou a estrada que ia em direção ao sul. Parecia nervoso, talvez até irritado com algo.

- Abaixa! – ordenou para a princesa, mas antes que ela pudesse sequer assimilar a ordem, Ian envolveu-a em seus braços e jogou-se para o chão, ajoelhando-se e se curvando sobre ela.

No instante que se seguiu Moira ouviu o som de algo cortando o ar e seu protetor gemeu com dor. Flechas haviam sido disparadas e acertaram as costas de Ian.

- Evos! – ouviram a voz estridente de uma mulher – Não era para acertar ele!

Ian girou o corpo com dificuldade, mantendo Moira em seus braços. Apesar do calor reconfortante que ela podia sentir emanando do corpo dele, a princesa também sentia falta de ar. O sujeito estava a segurando forte demais contra seu peito, mal a deixando inalar ar. A garota levantou sua cabeça, conseguindo afastar o rosto do peito dele e voltando a respirar normalmente, embora agora estivesse com seu rosto próximo ao pescoço do sujeito. Realmente não era algo que Moira estivesse apreciando. Pelo contrario.

- O que querem? – o sujeito de cabelos dourados perguntou com uma voz rouca e raivosa, ignorando os movimentos de Moira totalmente.

Era uma mulher de longos cabelos escuros presos e olhos vermelhos envoltos por manchas negras, feitas por algum tipo de pintura. Era a mulher que havia os atacando da outra vez. A responsável por os quatro terem se separado.

- Milorde Ian. – um homem muito alto, magro e de pele morena apareceu ao lado da mulher e depois mais outro mais baixo e de cabelo muito claro.

Assim como a mulher entre eles, os dois também tinham os olhos de um vermelho vívido assustador. Mesmo de longe a princesa podia vê-los.

- Milorde? – ela sussurrou assustada e confusa, quase se esquecendo de que estava presa nos braços de seu companheiro de viagem.
- Hiddvah! – gritou a mulher para o homem de cabelos claros e de corte irregular que iam quase até os ombros, acertando seu cotovelo nas costelas dele – Evos, você acertou as duas.
- Ah! Ele se meteu na frente!- esbravejou, afastando-se dela após receber o golpe e fazendo gestos exagerados - E o que eu posso fazer se sou bom nisso??
- Pretendem me ignorar por muito tempo? Quem são vocês? – Ian tirou um dos braços que estava em torno de Moira e o levou às costas, puxando com forca uma das flechas e removendo-a, deixando mais um gemido de dor escapar.

Aproveitando a brecha que ele havida dado, a princesa rastejou para trás, se afastando dele, mas ao mesmo tempo sentindo um pouco de preocupação pelo ataque que Ian havia sofrido.

- Oh. – A mulher assustadora e de olhos vidrados como os de uma boneca deu uns passos para frente – Meu nome é Mirita. Estou aqui seguindo as ordens do rei do oeste. – cruzou os braços por baixo da longa e grossa capa que usava – O meu rei deseja que você retorne.
- O “rei” deseja? – riu e levantou-se com um pouco de dificuldade, deixando a princesa ficar escondida aos olhos dos outros, atrás dele – Ônix? – dirigiu a palavra para o homem de pele escura.
- É a verdade Milorde. Ele, “o rei”, deseja seu retorno. – era um homem de meia idade e tinha uma fisionomia muito séria e fechada.

Moira estava tão confusa e assustada com aquela situação, que não sabia o que pensar. De inicio não conseguia compreender direito o que estavam conversando. Parte era culpa dos sotaques estranhos que cada um tinha. Um diferente do outro. Mas o que deixava tudo mais obscuro era a quantidade de informações novas e difíceis de acreditar que estava recebendo. Todo aquele sentimento de insegurança e medo fez com que ela ficasse quieta e encolhida apenas observando e temendo que algo pudesse lhe acontecer. Por isso mesmo que a jovem arrastou-se até esconder-se atrás do tronco da grande árvore em que antes havia parado para descansar. Concentrou-se apenas em ouvir o que era dito.

- Digam ao “rei do oeste”... – desembainhou uma das espadas que carregava - que voltarei quando eu decidir.
- Diga-me... Ian. – moveu um dos braços por dentro da capa e quando o levou ao exterior estava empunhando uma daquelas suas belas adagas douradas – Da primeira vez era impossível lhe achar. E agora foi fácil demais. – posicionou-se em sua peculiar posição de combate, parecida com a de seu adversário – Parece até que está facilitando para nós. Como você faz isso?
- Foda-se o que o rei disse! – gritou o homem de cabelos claros, que empunhava o arco e flecha - Vamos matar esse também! – rapidamente lançou uma flecha em direção a Ian.
- Não Evos! Espera! – Mirita tentou pará-lo, empurrando-o para o chão, mas já era tarde.

A flecha que havia atirado ia muito velozmente em direção à cabeça de Ian, mas embora ela fosse muito rápida, o sujeito de cabelos dourados facilmente a segurou pela haste com a mão que vestia a manopla, parando-a a vinte centímetros do rosto.

- Por que não pergunta para o seu rei como eu me tornei quem sou? – explicou de uma forma irritada, quebrando a flecha no meio e a jogando no chão agressivamente.
- Não sei por que eu trouxe você! – disse Mirita com um pé apoiado sobre o peito de Evos, que estava deitado no chão – Não ouse desobedecer ao rei ou eu irei lhe matar!
 - Tira esse seu pé daí sua vadia louca! – com as mãos impulsionou o pé da mulher para longe, quase a derrubando, e aproveitou para levantar-se rapidamente em uma cambalhota para trás.
- Hiddvah, filho de uma puta! Vai pagar por tentar me derrubar! – esbravejou contra seu companheiro.
- Ônix. – Ian chamou o homem alto que estava apenas observando seus outros dois companheiros discutirem – Quando esses desajeitados terminarem de discutir avise-os de que se tentarem ferir a garota novamente eu vou adicionar seus crânios a minha coleção.
- Era uma mulher?? – o sujeito de cabelos loiros-claro parou subitamente o que estava fazendo, perplexo e tentando enxergar Moira – Espera. A coleção... Ela é sua?? – fitou-o, curioso.

Ian apenas o encarou em silêncio. Estava mais concentrado em tentar ignorar a dor em suas costas.

- Se você não pretende nos acompanhar de volta então usarei de força para lhe convencer! – Mirita puxou o cordão da capa, soltando-a e deixando que caísse no chão, revelando sua roupa também negra que seguia as curvas de seu corpo.
- Oh. Bem... Você nunca vai conseguir o meu crânio! – Evos intrometeu-se na frente de sua companheira e trocou o arco por uma espada longa e curva que trazia na cintura, preso em seu cinto feito de tecido azul escuro – Porque eu vou mostrar que sou melhor!
- Nunca mais trago esse Hiddvah junto. – sussurrou a mulher de longos cabelos negros, cobrindo o rosto com a mão que estava livre.

Evos lançou-se na direção de Ian, empunhando seu sabre na direção do peito dele, que se ajoelhou e desviou da lâmina que havia atravessado sua capa no ar, fazendo um grande rasgo nela. Sem perder tempo o sujeito de cabelos dourados chocou o braço e ombro contra as pernas de seu adversário e jogou-o para trás, lançando-o contra Mirita, que se afastou muito rápido.

- Novatos. – Ian levantou-se e riu, olhando disfarçadamente na direção em que Moira havia ido para saber se ela ainda estava lá.
- Você vai ver quem é a porra do novato aqui! – O sujeito de cabelos loiros e muito lisos ficou irritado e tentou outra investida parecida com a primeira.

Ian estava preparado para o mesmo tipo de golpe quando Evos deu um salto e fez o sabre mergulhar em direção à cabeça dele. Sem ter tempo de desviar-se o sujeito de cabelos dourados bateu com a manopla na lâmina da espada, conseguindo faze-la afastar-se o suficiente para não acertá-lo. No mesmo instante Ian percebeu que Mirita aproximou-se sorrateiramente por suas costas e desferiu um ataque surpresa em sua direção, que foi evitado por questão de milímetros. Evos também reagiu, girando o corpo para afastar seu sabre do inimigo e tirando do cinto uma adaga. Os dois estavam perto demais de Ian e atacando ao mesmo tempo. Ambos estavam com armas de curto alcance, porém próximos demais. Eles atacaram mais uma vez ao mesmo tempo, Evos pela frente e Mirita por trás, utilizando as duas adagas douradas.

Mesmo que ele conseguisse pará-los, não poderia evitar um próximo ataque sequencial, pois não seria capaz de afastar os dois.

Ian conseguiu absorver o impacto das adagas de Mirita com as costas da manopla com garras e também impediu Evos com a espada, mas conseguiu apenas afastar a mulher. O homem de cabelos lisos aproveitou quando Ian voltou sua atenção para sua companheira e utilizou o lado do corpo para empurrá-lo, jogando-o no chão.

O empurrão fez com que Ian perdesse o equilíbrio e caísse, fazendo com que a flecha cravada em sua carne quebrasse e se enterrasse ainda mais em suas costas, o que fez com que ele perdesse a concentração e gritasse de dor.

Mirita quase perdeu o equilíbrio com o empurrão que levou, mas se recuperou a tempo de utilizar a queda dele a seu favor. Adiantou-se e pulou sobre Ian, lançando suas adagas em um mergulho em direção ao peito dele. Seu inimigo conseguiu impedir uma delas de chegar até sua garganta, segurando o braço da mulher com as garras da mão esquerda, mas a outra arma escapou e sua lâmina enterrou-se logo abaixo do ombro dele. Ian soltou um urro de dor. Ao mesmo tempo, Mirita também gritou e perdeu a concentração, permitindo que Ian conseguisse usar toda sua força para tira-la de cima dele. Jogou-a para o lado e ela ficou no chão com o rosto contorcido de dor. Ian percebeu que havia uma flecha enterrada em seu braço.

- Covardes! – gritou Moira empunhando o arco já com outra flecha pronta para ser lançada.
- Era uma mulher mesmo! – Eros parou para olhar a jovem princesa que finalmente havia reaparecido.

Ian levantou-se rapidamente, embora estivesse cambaleante, afastou-se dos dois e puxou a adaga que estava presa em seu ombro, contorcendo o rosto em reação a dor que sentiu.

- Sua vadia! – Mirita berrou contra Moira, arrancando a flecha de seu braço e levantando, muito irritada – Evos! Cuide dela!
- Exatamente o que eu estava pensando em fazer!  - voltou a pegar seu arco.
 - No tempo que você levar para puxar a flecha da bolsa, já terei atirado esta! – gritou Moira, nervosa e assustada, mas mantendo o arco firme em suas mãos.
- Tem certeza? – sorriu maldosamente para ela.
- Cuidado! – disse Ian, correndo em direção à princesa, porém foi impedido por Mirita que se colocou na frente, já o atacando novamente.

Ele desviou a lâmina da adaga dela com a luva de garras, fazendo um alto som do metal se chocando.

- Quer isso de volta? – levantou com dificuldade o braço direito, mostrando a outra adaga de Mirita.
- Posso usar uma só contra você! – girou a arma na mão e desferiu outro golpe contra ele.
Enquanto os dois distribuíam golpes um contra o outro sem que nenhum fosse realmente capaz de acertar seu adversário, Moira mantinha Evos em sua mira, tentando impedi-lo de sacar uma flecha para usar contra ela.
- Basta você piscar que eu terei pegado a flecha. – zombava Eros.
- Isso não vai acontecer. – a jovem princesa segurava o arco na horizontal e mantinha-o na altura dos olhos.

O sujeito de cabelos claros e fisionomia impaciente fez um movimento brusco, insinuando-se para frente, o que fez com que Moira, por impulso, atirasse a flecha contra ele. Com a extremidade de seu próprio arco, Evos bateu na ponta metálica da flecha ainda em movimento e desviou sua direção. Em seguida sacou sua flecha muito mais rápido do que a princesa conseguiu fazer.

- E o que vai fazer agora? – tinha um sorriso maldoso estampado no rosto – Sou muito mais rápido.
- O que tem braços, pés e costas, mas não tem pernas? – perguntou Moira, séria.
- O que? – Evos estava confuso com a pergunta.
- Se você é inteligente tenho certeza que consegue desvendar a charada. – lentamente deu um passo para trás, enquanto distraia o sujeito.
- Por que eu tenho que responder isso? – não parecia muito preocupado com o que a jovem poderia fazer, então acabou por não perceber que ela havia se movido.
- Você não tem. Você é um tolo e nunca vai conseguir achar a resposta da charada. – conseguiu dar mais um passo para trás sem ser descoberta.
- É claro que eu posso responder isso! – contestou gritando com indignação.
- Prove! – fitou-o com desdém e deu seu último passo para trás, girando desajeitadamente o corpo para trás de uma arvore.

Havia conseguido disfarçar enquanto enganava o homem, mas Moira estava apavorada. Seu corpo todo tremia e ela nem conseguia puxar direito outra flecha da bolsa em suas costas.

- Se esconder não vai lhe salvar! - vozeou com irritação, andando na direção dela.

Enquanto isso Ian lidava com a habilidosa mulher de cabelos escuros, ambos com os movimentos de um dos braços comprometidos. Ele estava ciente do perigo que Moira enfrentava, mas não conseguia se livrar de Mirita. Resolveu que precisava arriscar um ataque mais ofensivo para tentar tirá-la de sua frente e cuidar da princesa. Ao segurar uma das investidas dela, cravou suas garras na mão da mulher, que gritou e perdeu o foco momentaneamente. O movimento deu uma oportunidade para Ian, que usou a arma que estava no outro braço e lançou-a contra o peito de Mirita. Recuperando-se rapidamente, a mulher de olhos vermelhos bateu com a perna no braço dele. O braço que segurava a adaga e também aquele que estava sofrendo as consequências do ferimento abaixo do ombro. Ian acabou perdendo a arma, que foi jogada para longe de sua mão.

Mirita conseguiu livrar sua mão das lâminas garra, mas agora lhe doía bastante segurar a adaga. Sem o que fazer ela jogou o peso do corpo contra ele lateralmente, conseguindo criar uma brecha para enterrar a lâmina da adaga no abdômen de Ian, logo abaixo de suas costelas do lado esquerdo do corpo. Um golpe bem sucedido, entretanto também havia lhe custado caro. Ian havia a acertado com suas garras acima do seio direto dela, cravando-as tão profundamente quanto a lâmina da adaga havia adentrado em sua carne segundos antes.

- Você ama “ele”. – Ian sussurrou, quase sem fôlego, bem próximo ao ouvido dela.
- O que você...? – Mirita, mesmo com muita dor e tentando se livrar das garras metálicas enfiadas em seu peito, pareceu ficar alarmada com a afirmação de Ian.
- Ele já sabe que você me atacou. E está muito irritado. – apesar do alto nível de dores que sentia por todo o corpo, ainda assim conseguiu esboçar um sorriso malicioso.
- Do que está falando? – conseguiu puxar a arma de volta e Ian arrancou as garras, soltando-as da carne de Mirita e afastando-se dela.

O movimento que os dois haviam utilizado fez Evos parar o que estava fazendo e prestar atenção neles. Moira, que estava escondida atrás da árvore, também acabou voltando sua atenção neles.

- Ônix. – o sujeito de cabelos dourados tentou falar alto e imponente, mas seu fôlego estava lhe traindo – Leve os dois de volta para o oeste.
- É o mais sensato. Irei fazê-lo, Milorde. – o homem respondeu e se movimentou até a mulher com os olhos vermelhos e cansados.

Mirita caiu de joelhos no chão e tossiu, cuspindo sangue. Ônix foi até ela e a ajudou a levantar.

- O que houve com a louca? –Evos dirigiu-se até os dois, guardando o arco.
- Vamos voltar. – Ônix ordenou calmamente.

Enquanto os três se reagrupavam, Ian andou cambaleante até Moira, que estava sentada com as costas apoiadas no tronco de arvore e uma expressão aterrorizada no rosto.

- Vossa Alteza está bem? – sussurrou, jogando-se de joelhos no chão e apoiando o braço afetado no tronco.
- Sim. – respondeu baixinho, ainda tentando processar tudo o que havia acontecido e acalmar seu coração que batia com aflição.
- Ótimo. – contorceu o rosto com a dor e apoiou a lateral do corpo na arvore, levando a mão que vestia a manopla toda ensanguentada sobre o ultimo ferimento que havia adquirido.
- O que eles... – olhou na direção em que o trio estava, mas não havia mais sinal deles e então ouviu Ian gemer mais uma vez – N-não ouse morrer. Quero voltar para casa. – franziu a testa, nervosa sem saber o que deveria fazer.
- ...Vai voltar... – deixou o corpo cair mais uma vez, sentando-se ao lado dela e gemendo.
- Você... Não precisa cuidar dessas feridas? – encolheu-se e observou a ferida abaixo do ombro dele.
- Tem uma ponta de flecha nas minhas costas. – deu uma risada abafada enquanto curvava o corpo para frente e baixava a cabeça.
- Acho que agora eu entendo porque você tem tantas cicatrizes... – deu um suspiro, sem saber ainda qual era a real gravidade da situação, mas aliviada que o perigo parecia ter passado.
- Eu... – parou para respirar, estava ofegante – Acho que perdi sangue demais. – afastou a mão da ferida no abdômen que estava ensopada de sangue, tanto de MIrita quanto dele.

A princesa não conseguia ver direito o quanto o sujeito havia sangrado, pois suas roupas eram muito escuras, mas quando viu a quantidade de sangue na luva de Ian, seu coração voltou a disparar e o medo estava lá mais uma vez para assombrá-la. A sensação de que a floresta estenderia suas mãos espectrais para lhe capturar e levar para a sombra. Para ficar perdida para sempre...

- Não... – Moira sussurrou para si mesma, tentando reprimir a sensação a todo o custo, chegando ao ponto de contrair seus músculos.
- Vossa Alteza... – sua voz estava lenta e sua pronuncia estava ainda mais carregada pelo sotaque estrangeiro – Estou perdendo a consciência... – levantou a cabeça para visualizar o rosto dela, entretanto sua visão estava turva demais e a cada instante o ambiente era pouco a pouco engolido pelas trevas.
- Pare de morrer! – quando percebeu que o corpo do sujeito estava escorregando para frente esticou os braços e tentou impedi-lo – Por que você é tão pesado!? – tentava sustentar o peso dele com os braços, mas Ian deveria ter facilmente o dobro do peso dela, o que lhe tornava a tarefa complicada.

Depois de muito esforço conseguiu empurrá-lo para o lado, deixando-o cair sobre as folhas mortas que forravam o chão. A garota percebeu que uma de suas mãos estava encharcada com o sangue dele. O cheiro de todo aquele sangue deixava-a nauseada. Logo percebeu que precisaria fazer algo se não quisesse perder sua melhor chance de voltar para Sempterot. Para o castelo. Moira sabia que ele estava vivo, pois percebeu que respirava, mas se Ian morresse ela provavelmente perderia completamente o controle que se esforçava tanto para manter. E se isso acontecesse seria o fim para a princesa.


Capítulo 8: Fim.

Natalie Bear

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Capítulo 8 - Parte 1

Capítulo 8: Segredos Não Revelados

Parte 1: A Pintura






O sol adentrava pelo vidro empoeirado da janela, iluminando o quarto da hospedaria com uma luz amarelada e forte. Apenas uma janela estava com as venezianas abertas e só isso já era o suficiente para deixar o quarto inteiro claro.

A luminosidade que ficava cada vez mais forte estava atrapalhando o sono de Ian que, inevitavelmente, acordou incomodado. Abriu lentamente os olhos, acostumando-os à luz do dia. Rapidamente sentiu algo quente encostado em seu braço e levantou brevemente a cabeça para entender do que se tratava. A jovem princesa dormia serenamente com o corpo todo encolhido e encostado no braço dele. Ela estava deitada de lado e seu rosto estava próximo ao seu ombro, praticamente fora da almofada. Ian riu baixinho. A princesa havia feito drama e discutido tanto por ter de dormir na mesma cama que um homem e agora estava praticamente agarrada nele.

Tendo cuidado para não acordar Moira, ele se levantou da cama e a observou se acomodar bem no meio da cama, ainda adormecida.

- Fazia tempo que eu não acordava com uma mulher ao lado. - sussurrou para si mesmo, rindo enquanto olhava para a princesa com seu sorriso ardiloso e vestia sua camisa negra.

Calçou as botas e saiu pela porta do quarto. O som da porta, mesmo que não tivesse sido muito alto, acabou acordando Moira.

A jovem acordou atordoada, demorando um pouco para se situar. Percebeu que estava no meio da cama e sozinha, mesmo que tivesse demorado em lembrar-se de que havia dormido ao lado de Ian. Levantou-se assustada, achando que havia sido abandonada lá. Que teria de voltar sozinha para casa. Entretanto, quando olhou a sua volta pelo quarto, percebeu que os pertences dele ainda estavam lá e ficou aliviada. Em parte por não ter de acordar com o sujeito ao seu lado.

Sem muita pressa ela se levantou da cama, espreguiçou-se e calcou as botas. Sentia sede, mas não havia água em lugar nenhum do cômodo, como costumava ter no seu quarto no castelo. Olhou em volta, sem saber exatamente o que estava procurando, até que seus olhos pararam na bolsa de couro que Ian quase sempre carregava escondida debaixo de sua capa. Estava ao lado de sua manopla com garras de metal. Ao ver aquilo depositado no canto do quarto, sentiu uma vontade irresistível de descobrir o que havia dentro dela. Perguntava-se o que um homem como ele poderia carregar em uma bolsa como aquela.

Levantou-se da cama e caminhou lentamente sem fazer barulho para a bolsa, como se alguém estivesse perto e pudesse ouvir seus passos, e sentou-se a sua frente. O objeto não deveria ter mais de 20 centímetros de comprimento e era bastante velho e surrado. Parecia ter sido algo bonito em algum momento de sua existência, pois possuía alguns ornamentos desgastados e símbolos irreconhecíveis. A fivela que fechava a bolsa estava muito velha, começando a enferrujar e o filete de cinto que atravessava a fivela estava quase rasgando.

Sem pensar muito sobre o estilo da bolsa, Moira desfivelou o filete com todo o cuidado e delicadamente afastou a tampa que a cobria, abrindo-a. Primeiro ela tirou de dentro algumas folhas de papel velho e meio amassado. Todas traziam muitas palavras escritas, mas estavam em uma língua que a princesa jamais havia visto antes, além de terem uma caligrafia corrida e estranha. Talvez fossem escritos da língua de Ian, apesar de que alguém como ele saber ler seria muito intrigante, pensava a jovem princesa. Em seguida ela puxou de dentro uma fita de cetim vermelho muito desbotado e com uma mancha antiga e bastante escura que cobria metade do pequeno tecido. Não sabia que importância tinha aquilo, mas parecia inútil, então deixou de lado e continuou a busca. O objeto seguinte foi um carretel com uma linha grossa e negra com uma agulha curva presa por entre os fios. Também deixou esse objeto de lado. Moira puxou mais um item de dentro da bolsa. Um tecido velho todo dobrado. Desdobrou-o, tirando de seu interior uma grande e rígida lasca cor de marfim.

- Mas o que é isso? – não fazia ideia do porque de um pedaço que julgava ser de algo sem importância alguma estava guardado enrolado por um tecido - Ele só guarda objetos inúteis e sem sentido! – deixou o item envolto no pano como estava antes e o colocou de lado.

Tateou o fundo da pequena bolsa e sentiu mais um pequeno pedaço de papel dobrado. Puxou-o para fora e percebeu que havia algo escrito, mas precisava desdobra-lo para ver por inteiro. Rapidamente o fez e encontrou uma escrita em uma caligrafia redonda e mais bonita que aquela vista nos papéis anteriores.

- Nádia. Ian. Jun. – Moira leu, sem saber o que queria dizer, apenas entendendo que o nome do dono da bolsa estava sendo citado.

Sem entender o motivo daquele papel, a princesa examinou-o mais um pouco, até que decidiu virá-lo, para o lado que ficava oculto enquanto estava dobrado. Visualizou incrédula ao que parecia ser uma pintura antiga e desgastada de três jovens. Um deles era uma menina. Uma garota mais ou menos da idade de seu próprio irmão, o príncipe. Ela tinha cabelos castanhos claros, parecidos com os de Moira, só que com muito mais cachos anelados. Seus olhos também eram azuis, apesar de serem mais escuros. Apenas a cor da pele se diferenciava visivelmente. Era mais escura, mais bronzeada.

- Por que... ? – não sabia exatamente o que pensar, por isso continuou analisando a estranha pintura.

O retrato sequer parecia ter sido pintado, pelo menos Moira jamais havia visto uma pintura tão lisa e luminosa.

Voltou a observar os integrantes da figura. O jovem da esquerda, o mais alto, só poderia ser Ian quando bem mais jovem, também uma idade próxima a de Maxwell. Tinha o cabelo muito bagunçado e cortado quase rente ao couro cabeludo, além de que ambos os olhos eram verdes. A princesa se perguntou se os olhos dele realmente já chegaram a ser ambos verdes em algum momento de sua vida. Sua pele era um pouco mais clara na imagem, quase como a da garota. Também dava para se identificar o minúsculo pontinho abaixo de seu olho esquerdo, uma pequena mancha de pele. Ian sorria na figura. Um sorriso bem menos agressivo do que o que costumava fazer.

Moira finalmente colocou os olhos sobre o ultimo menino da pintura. Não era nem tão baixo quanto a menina, nem tão alto quanto Ian. Tinha a pele quase tão pálida quanto a da princesa, mas tanto os cabelos quanto os olhos estreitados eram negros e seu sorriso era tímido. Por alguma razão a jovem princesa tinha uma leve impressão de que aquele rosto lhe era familiar, mas não deu muita atenção a sensação.

Aquela pintura havia deixado a jovem muito confusa e desconfiada. Figuras daquele tamanho ela só havia encontrado em livros, mas geralmente eram pintadas com aquarela e pouco se pareciam com a realidade. A pequena imagem era realista demais. Como Ian havia conseguido algo assim? Ao menos que conhecesse pessoalmente um pintor, Moira até então duvidava que ele pudesse pagar por aquilo. Mas e a propriedade de refletir a luz? E por que a menina da figura lembrava um pouco dela mesma quando mais jovem? Não se lembrava de ter o rosto tão redondo como o da menina nem as sobrancelhas finas e arqueadas, mesmo assim algumas características aproximavam as duas.

Separou a figura e guardou os outros objetos na bolsa. Estava decidida em fazer Ian responder suas perguntas. Seria a primeira atitude que Moira tomaria quando ele chegasse.

Não demorou muito para que ele retornasse. Quando entrou pela porta trazia em uma das mãos um pedaço de pão mordido e também mastigava algo. Esboçou um sorriso para a princesa após engolir o que estava mastigando, entretanto, em resposta ao sorriso, Moira o fitou parecendo muito irritada. Estava sentada na cama e de braços cruzados.

- Eu não fiz nada com Vossa Alteza que justifique me receber com essa expressão. – respondeu tranquilamente e deu outra mordida no pão.
- O que é isto? – tirou a foto do bolso da calça e a desdobrou, mostrando-a para o sujeito.
- Isto é... – engoliu – Fruto da curiosidade de uma jovem muito metida. – riu rapidamente, mas logo sua expressão ficou bem mais séria.

Rapidamente sentou-se bem ao lado da princesa, o que a fez reagir se afastando um pouco dele.

- Eu quero que você que responda! – falou alto e recuou um pouco o braço para si.
- Uma imagem obtida por exposição à luz. – agarrou o pulso dela com força – E me pertence.
- Me solte! – tentou puxar o braço, mas não conseguiu o soltar – O que isso significa? – tentou abrir os dedos dele em volta de seu pulso com o braço que estava livre, mas era um esforço inútil.
- Está curiosa? – inclinou-se levemente na direção dela e a fitou – Vamos fazer um joguinho. Eu irei responder uma pergunta sua toda vez que você responder uma minha. – o olhar assustador dele havia voltado e estava deixando Moira nervosa.
- Não vou jogar nada com você! – afastou-se o máximo que conseguia, mesmo com o pulso preso na mão dele.
- Então também não irei responder nada. – prendeu o pão na boca e liberou a mão para tirar a figurada dos dedos da princesa, logo em seguida soltando-a.

No momento em que foi solta, Moira levantou-se rapidamente e recuou quase até o canto do quarto, assustada. Por alguns minutos ficou em silêncio, respirando fundo para se acalmar e pensando no que fazer, enquanto Ian terminava de comer.

- Eu aceito seu jogo. – murmurou observando o homem cautelosamente, com medo de sua reação.
- Muito bom. Agora se sente. – bateu levemente a palma da mão na cama.
- Vou ficar de pé. – cruzou os braços.
- Como quiser. Eu começo com as perguntas. – sua expressão amenizou, desta vez havia voltado a sorrir.
- Por que você quem vai começar? Eu que fiz uma pergunta primeiro! – franziu a testa, começando a se irritar.
- Eu criei as regras. – esboçou um sorriso maldoso – Minha pergunta é: Por que você odeia o seu noivo? Mesmo antes de ele bater no seu rosto.
- Meu rosto... – descruzou os braços e passou as mãos sobre a face, onde havia sido agredida – Como você sabe disso?
- Vossa Alteza tem que responder a minha pergunta antes de me fazer outra. - levantou-se da cama e buscou alguns dos itens de sua vestimenta, logo voltando a sentar.

Moira deixou escapar um suspiro de protesto, desde a primeira pergunta já não estava gostando nem um pouco do jogo.

- Desde que o conheci nunca gostei dele. – fitou o chão enquanto segurava o final da trança nas mãos, enrolando nos dedos a ponta do cabelo.
- Isso não respondeu a minha pergunta. – explicou enquanto passava o cachecol em volta do pescoço – A verdade, Vossa Alteza.
- O que está dizendo? – cerrou os dentes e as mãos, bufando – Quer saber a verdade?? – aumentou muito o tom da voz, completamente transtornada – Minha mãe morreu por causa desse noivado! – esbravejou movendo violentamente os braços – Minha pergunta agora! Quem é a menina da pintura!??
- Ela era Nádia, minha meia-irmã. – havia baixado o tom de voz e tinha um olhar distante, triste.
- “Era”? Ela está morta? – se acalmou um pouco, pois teve a impressão de que, assim como ela ficara ao falar sobre a mãe, Ian também ficava incomodado em tocar no assunto.
- Vossa Alteza já fez sua pergunta. – mais uma vez levantou-se da cama e se dirigiu até sua bolsa e manopla, ao lado da princesa, abaixando-se – Não temos mais tempo para perder com conversa. Temos que seguir viagem. – vestiu a manopla na mão esquerda – E tenho uma má noticia.
- Má noticia? – afastou-se, sentia-se mais aliviada por Ian não ter continuado o assunto, ou perguntado algo a mais sobre sua mãe, mas ficou curiosa com o que o sujeito tinha a dizer.
- Estávamos seguindo na direção errada. – prendeu a bolsa no cinto e o vestiu.
- Direção errada? Está dizendo que não estávamos indo em direção a Sempterot?? – irritou-se mais uma vez, incrédula com a notícia.
- Estamos agora a mais de seis dias de seu castelo. – vestiu a capa negra – Será melhor irmos em direção a Miraluna, estamos mais perto de lá. – prendeu as espadas na cintura – De lá a rainha poderá lhe mandar em uma carruagem de volta para sua cidade em um tempo bem menor.
- Quanto tempo até Miraluna? – tinha uma expressão de desaprovação no rosto.
- Conseguimos chegar lá em três dias. – guardou a adaga dentro do colete e pegou o arco e o estojo com as flechas.
- E por que não arranjamos cavalos!? – elevou mais uma vez o tom de voz, cruzando os braços, emburrada.
- Vossa Alteza sabe como montar em um?
- Não... – respondeu com um pouco de constrangimento.
- Nem eu. – riu e se aproximou dela – Vai carregar isso aqui como punição por ter bisbilhotado os pertences alheios – entregou nas mãos de Moira o arco e o estojo de flechas.
- Você não sabe mesmo montar em um cavalo? – estava tão perplexa com a informação que nem havia prestado muita atenção na ultima frase do sujeito.
- Não. – foi até a porta e a abriu – Vamos depressa. Vossa Alteza ainda precisa comer seu dejejum. Lá embaixo. – apontou em direção ao chão e saiu pela porta.
- Ei! Espere! Explique isso! – correu atrás dele, levando consigo os objetos que havia recebido de Ian.

Tinham em frente mais um longo dia de caminhada e ainda assim precisariam de pelo menos mais dois até que chegassem a Miraluna. Isso se não houvesse distrações no caminho.


Continua...

Natalie Bear

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Capítulo 7 - Parte 4

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

  Parte 4: Paredes à Baixo




Uma mulher de mais de quarenta anos de idade e cabelos negros trançados, quando estava passando pelo corredor que dava acesso aos quartos da hospedaria, ouviu um som abafado, parecendo com soluços. Resolveu seguir o ruído, iluminando o caminho à sua frente com a lamparina que segurava. Não demorou muito para encontrar um jovem garoto sentado e encolhido em um canto, chorando baixinho, com a cabeça poiada sobre os braços.

- Jovem. Você não é o garoto que estava com aquele homem de cabelos dourados? – aproximou-se iluminando o garoto à sua frente – Por que está chorando?
- Não estou chorando. – resmungou, levantando a cabeça rapidamente para ver a mulher e baixando novamente.
- O seu mestre o mandou dormir no corredor?
- Ele não é meu mestre...
- Então é o que? – a mulher agachou-se perto do jovem.
- Nada! Eu o odeio! – enxugou o rosto na manga da camisa bege.
- Venha comigo até o meu quarto. Eu poderei lhe confortar melhor lá. – estendeu a mão e sorriu.
- Não! – gritou e se levantou – São todos tolos aqui! – correu pelo corredor, deixando a mulher para trás.
- O que eu faço agora...? – murmurou para si ao parar na ponta do corredor – As pessoas daqui são burras demais. Jamais vão entender que eu sou filha do rei... Mesmo que eu ameace mandar matar todos... – suspirou e encostou a testa na parede de madeira – Aqui está tão frio...

Moira sabia que o quarto estava com uma temperatura melhor que o corredor, mas tinha medo de voltar lá e encontrar Ian ainda acordado. Não queria ter de encarar aqueles olhos novamente. Ficou pensando por mais um tempo, percorrendo os corredores de um lado para o outro até que finalmente desistiu. Era melhor voltar para lá... Não havia mais nada que poderia ser feito. A princesa sabia que provavelmente Ian era a única pessoa em que poderia conferir a tarefa de leva-la de volta para casa. Por menos confiável que fosse ele já havia a protegido daquela explosão e cuidado dela quando poderia ter a deixado perdida na floresta. Encontrar outra pessoa confiável para levar a princesa de volta ao castelo seria muito difícil. Moira conhecia os perigos existentes do lado de fora das paredes do castelo, mesmo sempre evitando entrar em contato com o exterior.

Sentindo-se derrotada por sua própria dependência, a jovem princesa resolveu que o melhor a fazer era voltar para lá antes que se perdesse ou que algo ruim acontecesse.

Caminhou de volta para a porta e girou a maçaneta com todo o cuidado, evitando fazer barulho. Se ele estivesse dormindo seria bem mais vantajoso para ela que continuasse assim. Entrou rapidamente e fechou a porta, só então foi ver qual era a situação dentro do quarto. A lamparina ainda estava acesa e no mesmo lugar em que o sujeito havia deixado. Moira olhou para a cama e percebeu que ele estava lá e parecia dormir. Estava de bruços e coberto até a metade das costas por um cobertor, mas não vestia camisa. Graças à luz da lamparina que não estava muito longe, a princesa pôde ver facilmente de onde estava várias marcas nas costas e braços de Ian. Pelo menos uma era mais saliente e maior, mas parecia antiga. Ela também enxergou duas manchas que pareciam queimaduras recentes. Uma era pequena e estava mais próxima do ombro esquerdo e a outra maior bem mais abaixo, estando meio escondida pelo cobertor. Não demorou muito para que se questionasse se as queimaduras tinham sido feitas pela explosão da qual ele havia a salvado.

De repente percebeu que estava olhando a tempo demais para as costas de Ian e desviou os olhos para a lamparina na mesinha do outro lado da cama. Estava imaginando se iria ser muito doloroso dormir naquele chão de madeira do quarto. Até mesmo o solo da floresta era mais agradável do que aquilo, frio e duro.

A filha do rei não deveria ter que dormir no chão quando há uma cama em sua frente. Aquele homem tinha muita audácia em fazer algo assim com ela, pensava Moira. Logo após o pensamento cruzar sua mente, a jovem percebeu que Ian havia deixado sua adaga sobre a mesinha, ao lado da lamparina. Aquele objeto à sua disposição lhe deu uma ideia. Não era uma alternativa muito boa, mas era a única disponível para que Moira pudesse se iludir o suficiente para arriscar.

 Bem devagar, tentando não fazer nenhum som enquanto caminhava pelo assoalho de madeira, ela se aproximou da mesinha e pegou a adaga, trazendo para mais perto do rosto e examinando-a. Era a desculpa que precisava para se convencer a deitar na cama com aquele homem sem temer que ele a tocasse. Se o fizesse, Moira iria golpeá-lo com a arma. Qualquer pretexto que lhe permitisse poder usufruir do conforto da cama, embora provavelmente fosse bem menos macia que a sua própria, lá no castelo.

- Coloca essa faca de volta na mesa. – Ian resmungou sem abrir os olhos.

O resmungo do sujeito assustou a princesa, que acabou deixando a arma cair no chão.

- Está tentando furar o próprio pé? – levantou a cabeça e fitou a garota.
- Você me assustou! – gritou nervosa – Quase me feri por sua culpa! – sentou na cama e respirou fundo, tentando se acalmar.
- Da próxima vez não roube armas alheias. – ajeitou-se na cama e voltou a deitar a cabeça na almofada – Junte e coloque de volta na mesa.
- Você não manda em mim! – virou a cabeça para trás – Ah! – Levantou-se de súbito e acabou anulando todo o esforço que tinha feito para se acalmar – Espero que não esteja despido debaixo desse cobertor!
- Estou. –sorriu e apoiou-se sobre os ombros, levantando um pouco o tronco de cima da cama.
- N-Não saia daí! – recuou, levantando o braço quase na altura do rosto.
- Estou brincando. – riu – Ainda estou vestindo calcas.
- Odeio você... – murmurou.

Ian levantou-se da cama e contornou-a, juntando a adaga do chão e a colocando de volta na mesa.

- Vossa Alteza foi pedir outro quarto? – parou de frente para ela, deixando que visse as várias cicatrizes que tinha no corpo.
- Não... – respondeu baixinho, desta vez não conseguia tirar os olhos da grande cicatriz transversal em seu peito.
- Isto aqui lhe atrai? – passou os dedos sobre a cicatriz.
- Não! –exclamou e levantou os olhos para o rosto dele, sentindo-se constrangida.
- Vossa Alteza. – esboçou um sorriso maldoso no canto da boca – Se eu pretendesse abusar de você eu já teria o feito ainda lá na floresta, onde não havia ninguém para atrapalhar. Então deite naquela cama e durma. – gesticulou em direção à cama.
- Tenha respeito ao falar comigo! – esbravejou, gesticulando nervosamente – Estou cansada dessa sua falta de respeito! E eu que achava que você seria um servo obediente...!
- Vossa Alteza deseja que eu seja obediente? – aproximou-se um pouco mais dela, fazendo com que a princesa reagisse dando um passo para trás – Hoje não. Vamos dormir e amanha vemos isso. – sorriu e deu as costas para ela.
- Pare de brincar comigo... – suspirou e jogou a cabeça para trás - Escute. Eu entendi que se você quisesse podia ter me deixado para morrer na floresta. Que não teria nem me salvado da explosão, afinal, essa queimadura nas suas costas... Foi por causa de todo aquele fogo, não é?
- Suponho que sim. – voltou a deitar-se de bruços na cama enquanto ouvia o discurso da princesa.
- Só que não entendo por que você o fez, mas me trata como se eu que fosse a sua criada! Eu sou a princesa! Você é o criado! Não faz sentido. – baixou a cabeça e pousou suas mãos sobre ela.
- Chega de conversa por hoje ou logo vai amanhecer e Vossa Alteza não terá dormido nada. Ainda precisamos viajar até a sua cidade. – enterrou a cabeça na almofada – E deixe a adaga onde está. – a voz saiu bastante abafada.

Moira deu outro suspiro. Já estava muito cansada e realmente precisava dormir, mas sabia que se sentiria ainda mais constrangida se deitasse ao lado dele. Ian só fazia com que ela provasse da humilhação e derrota o tempo todo, sentimentos que a princesa detestava. Mas não era o momento de brigar. Precisava recuperar as energias para conseguir o fazer. Tentando não pensar muito mais no assunto, Moira se aproximou da cama, soltou a capa que vestia, deixando-a escorregar para o chão e sentou-se do lado que estava vazio, próximo a lamparina. Quase sem vontade e já sentindo seus músculos protestarem, ela removeu as botas de seus delicados pés. Em seguida desfivelou o cinto e o colocou sobre a mesinha. Após remover o colete de couro de baixa qualidade, destrançou o longo e volumoso cabelo castanho-claro e o penteou com os dedos. Estava de costas para Ian, mas podia sentir seus olhos sobre ela, o que estava deixando-a nervosa.

- O que está tramando? – girou um pouco o tronco e fitou seu rosto, constatando que ainda estava acordado e realmente olhando na direção dela.
- Nada. Eu gosto do seu cabelo solto. – esboçou um sorriso.
- Pare com isso! – pegou a almofada do seu lado da cama e jogou sobre a cabeça dele.

Após levar a almofadada ele simplesmente tirou o objeto de cima de sua cabeça e pousou-o sobre o que já estava usando, deitando sobre ele.

- Devolva! – bateu com a mão sobre a cama.
- Jogou para mim. Agora é meu. – acomodou-se no travesseiro tranquilamente.
- Saia de cima! – levantou as pernas para cima da cama e virou-se completamente para ele – Você já tem o seu! Pare de me atazanar! – quase levou as mãos à almofada, mas recuou, temendo como ele reagiria.
- Implore.
- Não vou implorar! – desistiu de sua cautela e agarrou a borda da almofada.

Deu um puxão com toda sua forca, mas naquele mesmo instante Ian havia soltado o objeto e o excesso de forca que a princesa usou a fez jogar o corpo para trás, caindo da cama. O homem de cabelos dourados, segurou-a pelo pulso antes que caísse e a puxou agressivamente de volta para a cama, fazendo-a bater com o rosto no colchão onde antes ele estava deitado.

- Não dá para ficar quieta? – ele perguntou, enquanto a jovem estava caída atravessada na cama e ele de joelhos ao lado dela – Se não quiser dormir tudo bem, mas não irei lhe carregar amanhã quando estiver quase dormindo em pé.
- Bruto! Isso doeu! – ergueu o corpo e sentou-se na cama, levando uma das mãos ao rosto – É sua culpa por ter roubado minha almofada! – sacudia com irritação o objeto que havia acabado de recuperar.
- Vossa Alteza já está com ela. – segurou o braço da princesa que se movia compulsivamente.
- Me solta. – puxou o braço de volta e largou a almofada onde era seu lugar.
- Então boa noite Vossa Alteza. – aproveitou que ela saiu de seu lugar e voltou a se deitar, ajeitando as cobertas sobre o corpo. – E sai de cima do cobertor.
- Não vou dar boa noite para alguém como você. – entrou embaixo do cobertor e deitou a cabeça na almofada, se esforçando para esquecer que havia um homem ao seu lado.
- Como quiser.

Moira havia se encolhido o mais distante que conseguia de Ian, mesmo assim estava nervosa demais para conseguir dormir. Já o sujeito estava acomodado relaxadamente sobre a cama, ignorando completamente a presença da jovem ao seu lado.

A jovem estava tão transtornada que até mesmo a lembrança dolorosa de não saber como seu irmão mais novo estava havia abandonado sua mente momentaneamente. Ela precisou de muitos minutos para finalmente se render ao cansaço e cair no sono para dormir pesadamente o resto da noite.


Capítulo 7: Fim

  Natalie Bear