quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Capítulo 9 - Parte 1

Capítulo 9: As Colinas de Cristal

Parte 1: O Outro Lado




Ian abriu os olhos com dificuldade, podia ver algum tipo de iluminação invadindo sua visão, mas não conseguia focar em nada, tudo estava embaçado e sem forma.

- Bem vindo de volta ao mundo dos vivos. – era uma voz grave, firme e pertencia a uma mulher, entretanto ele não conseguia a ver – Seus olhos... – hesitou, diminuindo o tom da voz – Co-como se sente?

Ele piscou os olhos algumas vezes, até que a imagem pareceu tomar forma e ficar mais clara. Logo pôde ver a mulher sentada ao seu lado, seus olhos focaram-se nos longos cabelos cor de fogo e em seguida em seus olhos verde-escuros que brilhavam ao refletir a luz de várias velas que estavam distribuídas no estranho local cinzento.

- Quem é você? – Ian perguntou com a voz muito fraca e inconstante.
- Meu nome é Madisen. – sorriu – E seu nome é... Alan? – examinava atentamente o rosto do sujeito com interesse.
- Onde ela está? – ao ouvir o nome pelo qual a mulher o chamou, lembrou-se de Moira e levantou o corpo rapidamente, sentindo uma dor tão aguda que deixou um urro de dor escapar.
- Acalme-se. – a mulher empurrou-o delicadamente para trás, fazendo-o voltar a se deitar na cama em que estava.
- Ele acordou? – a voz tenra da princesa ecoou pelo quarto, o que fez o sujeito apoiar o cotovelo sobre a cama e levantar devagar as costas do lençol.
- Não graças a você. – respondeu a mulher secamente.
- Sua louca! – Moira aproximou-se rapidamente e parou ao lado da cama, próxima a mulher.

O sujeito, ao perceber que ela estava bem, deitou a cabeça no travesseiro e suspirou, esboçando um sorriso e parecendo aliviado.

- Por que esse sorriso quando quase morreu? – a princesa perguntou irritada – Nem em uma situação como esta você fica assustado?
- Depois da vigésima vez que quase morro começa a ficar chato. – riu, mas acabou gemendo e pousando a mão sobre o abdômen.
- Isso não tem graça... – cruzou os braços e fitou-o com desaprovação.
- Você é bem resistente.  Que bom que já está se sentindo bem. – a mulher cobriu gentilmente o peito de Ian com o cobertor de pele que já estava sobre ele antes de ter se erguido da cama – Mas precisa descansar. Você perdeu muito sangue, deve estar fraco. – pousou a mão na testa de Ian.
- Que lugar é este? – fitou Madisen com um olhar maldoso e desconfiado.
- Esta é a minha casa.
- Nós estamos nas Colinas de Cristal! –exclamou Moira intrometendo-se, mas mantendo distância da cama em que Ian estava – Não é incrível? – parecia alegre, mas logo sua expressão mudou – Mas estamos na região noroeste das colinas.

Ian não disse nada, apenas fechou os olhos e suspirou mais uma vez.

- Há uma poção que eu posso fazer para diminuir a dor. – Madisen levantou-se da cama e se dirigiu para a única porta do cômodo.
- Vossa Alteza. – Ian murmurou, mas Moira conseguiu ouvir e se aproximou um pouco dele.
- O que foi? – a princesa cobria-se com uma espécie de manta feita da pelagem de algum animal.
O sujeito murmurou novamente, entretanto a jovem não conseguiu ouvir o que ele estava dizendo.
- Tente falar mais alto, eu não entendo! – ajoelhou-se ao lado da cama e apoiou os braços sobre ela.
- Por que Vossa Alteza sabe utilizar arco e flecha? – fitou concentradamente os olhos dela.
- Você acha que está no direito de me fazer perguntas? – elevou muito o tom de voz – Que tal um joguinho? Cada um faz uma pergunta por vez e eu começo. – tinha um sorriso maldoso em seus lábios grossos e vermelhos.
- Você aprende rápido. – deu outra risada que acabou tão rápido quanto a anterior por causa da dor.
- Quem é você? – mudou repentinamente de expressão, ficando séria.
- Ian. – virou o rosto para outro lado, movendo-se com dificuldade.
- Responda direito! Não é o seu nome que estou perguntando. – inclinou-se sobre ele, perdendo a paciência – O que você e aqueles outros são?
- Somos recipientes... Hospedeiros. – voltou o rosto para ela, fechou os olhos e respirou fundo – Pessoas que foram possuídas pela “essência da dimensão”. – abriu um dos olhos e analisou a expressão de confusão de Moira – Talvez você compreenda melhor se eu chamar de “espirito da natureza”.
- Eu sabia que este olho vermelho só poderia significar possessão! – exclamou - Mas... Eu achei que era possessão demoníaca como está escrito nos livros. –abaixou a cabeça, pensativa.
- É bem diferente. Fazemos parte do “meio”. Independente da dimensão de onde viemos.
- O que isso quer dizer? – apesar de confusa também estava curiosa, finalmente teria suas perguntas respondidas.
- Responda a minha antes de fazer outra pergunta. – mantinha os olhos espremidos e volta e meia movia-se dolorosamente, tentando achar uma posição que lhe fosse mais confortável.
- Quando eu era pequena meu pai achou melhor que eu aprendesse como me defender para que, se algo e ruim acontecesse comigo, eu poderia me proteger. Por isso decidiu que eu precisava saber utilizar algum armamento. Optei pelo arco. – deitou a cabeça sobre a borda do colchão macio da cama de Ian – Agora me explique direito isso que acabou de me dizer. – sentia-se cansada, mas havia uma sensação que estava a deixando agitada internamente.
- É complicado.
- Está me chamando de tola novamente? – levantou a cabeça irritada.
- Não. – esboçou um sorriso – Eu irei tentar. – puxou com dificuldade o braço direito para fora do cobertor e o colocou sobre o peito – Eu... Eu vim de outro mundo. Assim como aqueles três que nos atacaram. – olhou para Moira pelo canto do olho, que havia voltado a deitar a cabeça e estava prestando atenção no que ele dizia – São dimensões. Existem muitas. Algumas possuem algo que chamamos de “essência condensada” ou apenas essência, como se fosse o espirito que representasse todo aquele mundo. – deu uma pausa e suspirou - Mas são apenas existências sem forma e incapazes de fazer algo, por isso precisam de um corpo para se manifestar. Cada um dos recipientes pertence a um mundo diferente, pois só um espirito se manifesta em cada dimensão.
- Mundos diferentes? Espíritos? Outros mundos querem dizer... Outros continentes? – estava perplexa, tinha os olhos vidrados observando o nada.
- Vossa Alteza sempre quer fazer mais de uma pergunta em sua rodada.
- Eu só quero entender! – bufou - ...Então faça a sua. – respondeu com certo mau humor.
- Posso tocar seu cabelo? – sorriu.
- O quê? - Espantou-se - Essa é a sua pergunta? – levantou o corpo ficando ereta, apenas apoiada sobre os joelhos – Pode... Pode tocar. – suspirou e inclinou-se para frente para que ele pudesse tocar seu cabelo, mesmo que Moira não houvesse gostado do pedido – Só deixarei você fazer isso porque está finalmente me respondendo, embora eu não esteja muito convencida com suas respostas.
- Eu estou dizendo a verdade. – levantou o braço que estava sobre o peito e pousou sua mão sobre a cabeça de Moira, deixando-a deslizar pelas madeixas do longo cabelo da jovem.
- Você está achando que sou a sua irmã? Só porque me pareço com ela?- estava irritada com o pedido e com o jeito que Ian a olhava, mas principalmente porque ele ainda não havia removido a mão de cima do cabelo dela.
- Não. Vossa Alteza é muito diferente dela. – puxou uma mecha do cabelo da princesa para si – Respondi sua pergunta, já posso fazer mais uma.
- Não era essa a pergunta... – Moira não havia percebido que já tinha feito outra pergunta até que ele a avisou - Não puxe meu cabelo!
- Agora eu já respondi. –olhava-a densamente - Por que está nervosa? – segurava a mecha próxima ao seu peito.
- Não estou nervosa! Apenas solte meu cabelo! – pegou a mecha esticada do cabelo, mas ainda não tentou a puxar de volta.
- Não minta. – apoiou-se sobre os cotovelos e fez esforço para colocar-se sentado sobre a cama, ignorando a dor que lhe incomodava principalmente nas costas e ainda não soltando o cabelo da princesa.
- O que está... – Lembrou-se que não deveria fazer uma pergunta que não fosse aquela que ela realmente gostaria de ter respondia e calou-se – Não estou mentindo!
- Foi Vossa Alteza que tirou a minha roupa? – olhava para o próprio tórax despido.
- Não!! – tentou levantar-se, mas sentiu um fisgo em seu cabelo, o que a fez produzir um gemido de dor e deitar a cabeça sobre o colchão novamente – Isso doeu... – murmurou dengosamente, tinha a voz abafada pelo colchão – Solte... – segurou a mão dele que mantinha seu cabelo preso e tentou abri-la.
- Olhe que contrastante. – soltou o cabelo dela e segurou sua mão - Suas mãos pálidas pequenas e delicadas.
- Pare com isso! Não me toque! – puxou o braço para si, soltando-se dele, levantando e se afastando.
- Por quê?
- Pare de fazer perguntas! É a minha vez! – começou a perambular nervosamente pelo pequeno e abarrotado quarto.
- Pergunte. – mais uma vez moveu o tronco com dificuldade de encontrar uma boa posição para se acomodar.
- É o que vou fazer. – fechou os olhos e respirou fundo, parando de se mover e pensando na pergunta que gostaria de fazer – O que significa “outros mundos”? E como você pode ser um “espirito da natureza”? – desceu seu olhar irritado e desaprovador sobre ele.
- Duas perguntas? – riu – Vou responder já que acabei de fazer duas também. – pigarreou, fazendo uma expressão disfarçada de dor – São universos paralelos. Versões diferentes deste mundo que não são capazes de se encontrar. Mais ou menos como céu e inferno. Versões que provavelmente começaram iguais, mas acabaram por tomar rumos muito diferentes ao longo do tempo. – fechou os olhos, respirou fundo e pousou a mão sobre a ferida no abdômen – E quanto ao espirito. Não sou eu. É parte de mim. Ele não me controla como em uma possessão demoníaca. E “nós” chamamos de espirito da natureza porque, como eu já disse, é a condensação de uma dimensão, como se aquele mundo possuísse uma alma.
- Oh... Acho que entendo! – ficou agitada novamente, tento uma expressão bem mais leve no rosto – Não muito bem a parte em que disse que “ele” é parte de você. – parecia animada – Se o que você diz é verdade mesmo... É tão... Irreal... – pareceu até esboçar um sorriso.
- Eu sei... Mas agora sou eu quem pergunta. O que tem braços, pés e costas, mas não tem pernas?
- Oh. Você ouviu a charada... – cruzou os braços e virou em direção a uma grande pintura sem forma definida pendurada na parede – É um trono.
- Trono? Não tem pernas? – deu uma risada contida.
- O do meu pai não tem. Só tem braços, costas e pés. – demonstrou uma expressão emburrada.
- Acredito que apenas Vossa Alteza seria capaz de responder essa charada. – dessa vez deu uma risada que fez todas suas feridas latejarem.
- Pare de rir, seu maluco! Responda a minha próxima pergunta! – voltou a se irritar – Por que aquele homem lhe chamou de Milorde?
- Oh... Isso... Bem... – no mesmo instante Madisen adentrou pela entrada do quarto que era coberta por um fino véu colorido e semitransparente.
- Desculpe a demora, a poção ainda não estava pronta, tive de finalizá-la. – aproximou-se da cama segurando uma tigela com um liquido escuro borbulhante e ajoelhou-se ao lado de Ian – Você não deveria se levantar.
- Deve ser veneno. – intrometeu-se Moira com uma expressão carrancuda no rosto.
- Certamente! – virou o rosto para a princesa, com um tom de ironia na voz – Eu teria todo o trabalho de cuidar das feridas dele pra depois envenená-la. Realmente muito inteligente!

Moira começou a tossir, disfarçando seu constrangimento e tentando segurar a raiva que sentia daquela mulher que havia conhecido há tão pouco tempo.

- O que é isto? – perguntou Ian, fitando a mulher com o olhar frio e vazio que normalmente assustava quem o recebia.
- É uma poção para diminuir sua dor. – deu o copo para que ele segurasse - Você teve feridas muito graves. – levantou-se e foi até uma pequena cômoda repleta de potes que continham diversos ingredientes coloridos e pegou algo pontudo de cima – Olhe o tamanho desta ponta de flecha que estava em suas costas – mostrou a ponta metálica que ainda tinha um pedaço da haste de madeira – Estava completamente enterrada em suas costas e tem quase o comprimento da minha mão! – exagerou.

O sujeito, parecendo desconfiado, aproximou o recipiente com o estranho liquido de seu rosto e inalou, sentindo seu cheiro forte e adocicado.

- Realmente... – fitava Ian com certa suspeita – Você é muito resistente. – girava a ponta de flecha na mão.
- Você nem imagina como. – respondeu secamente em um tom provocativo e entonou o recipiente na boca, bebendo tudo de uma só vez.
- Saia dessa cama logo! – novamente a princesa se intrometeu, parecendo impaciente.
- Garota cale-se um pouco. Chega de falar com ele. O seu amigo precisa descansar. – disse em voz de comando.
-Não ouse falar nesse tom comigo! Sua louca! – gritou repleta de ódio.
- E quem você acha que é para falar comigo dessa forma dentro de minha casa? – cruzou os braços e a encarou com desdém.
- Eu sou a...! – parou de repente, lembrando-se de que dizer para os outros quem ela era sem ter ninguém que a pudesse proteger podia ser um grande erro.
- Quem? – perguntou com um tom de deboche.
-... Irmã dele. – apontou para Ian – E... Ele vai ficar muito abatido se você me tratar assim... – sobre pressão para inventar alguma desculpa, acabou falando a primeira ideia que passou por sua cabeça.
- Ah. Sim. – disse Ian, que já estava se sentindo tonto, mas disfarçava – Se você trata-la assim eu irei chorar inconsolavelmente... – concluiu ironicamente e deixou o corpo deslizar pela cama, voltando a deitar.

Madisen esboçava um sorriso pelo canto da boca, enquanto observava Ian caindo no sono. Já a princesa havia abaixado sua cabeça e coberto o próprio rosto com as mãos. Decepcionada com a própria mentira.



Continua...

Natalie Bear

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Capítulo 8 - Parte 2

Capítulo 8: Segredos Não Revelados

Parte 2: Chamado do Rei




Várias horas de caminhada já haviam passado e novamente os pés da jovem princesa doíam. Ela havia tentado se comunicar mais com Ian durante o dia todo, mas enquanto ele estava seguindo em sua frente, pouco respondia.

- Alan! Pare! Meus pés estão doendo! Vão criar calos se continuarmos! – estava ficando muito para trás e já arrastava os pés.
- Meu nome não é Alan. – continuou caminhando, ladeando a estrada de terra.
- Não vou continuar! – finalmente parou e sentou-se sobre a raiz de uma grande árvore, levemente ofegante.
- Vossa Alteza não pode parar o tempo todo se quiser chegar logo em Miraluna. – parou e virou-se para ela, a mais de dez metros à frente.
- E não vou chegar nunca se eu ferir meus pés! – tirou uma das botas e verificou o estado de seu pé – Veja isto! Há uma bolha d’água na lateral do meu pé! – esbravejou dramaticamente.
- Coloque a bota de volta no pé. – estava se aproximando da princesa, mas parou de repente, olhando a sua volta atentamente.
- E está ficando frio. Logo esta roupa não vai ser suficiente. – fitou-o e percebeu que Ian parecia apreensivo com algo – O que está procurando?
- Silêncio. – sussurrou, mostrando a palma da mão para ela, sem virar o rosto em sua direção.

A princesa ficou com medo do que poderia ser e encolheu-se, colocando a bota rapidamente.

- Vamos sair daqui. – Ian sussurrou mais uma vez e se aproximou da jovem.
- Me diga o que está havendo. O que você viu? – levantou-se assustada.
- Nada. Vamos. – pegou-a pelo braço e a arrastou consigo.
- Pare! – puxou na direção contraria.

O estranho sujeito parou mais uma vez e visualizou a estrada que ia em direção ao sul. Parecia nervoso, talvez até irritado com algo.

- Abaixa! – ordenou para a princesa, mas antes que ela pudesse sequer assimilar a ordem, Ian envolveu-a em seus braços e jogou-se para o chão, ajoelhando-se e se curvando sobre ela.

No instante que se seguiu Moira ouviu o som de algo cortando o ar e seu protetor gemeu com dor. Flechas haviam sido disparadas e acertaram as costas de Ian.

- Evos! – ouviram a voz estridente de uma mulher – Não era para acertar ele!

Ian girou o corpo com dificuldade, mantendo Moira em seus braços. Apesar do calor reconfortante que ela podia sentir emanando do corpo dele, a princesa também sentia falta de ar. O sujeito estava a segurando forte demais contra seu peito, mal a deixando inalar ar. A garota levantou sua cabeça, conseguindo afastar o rosto do peito dele e voltando a respirar normalmente, embora agora estivesse com seu rosto próximo ao pescoço do sujeito. Realmente não era algo que Moira estivesse apreciando. Pelo contrario.

- O que querem? – o sujeito de cabelos dourados perguntou com uma voz rouca e raivosa, ignorando os movimentos de Moira totalmente.

Era uma mulher de longos cabelos escuros presos e olhos vermelhos envoltos por manchas negras, feitas por algum tipo de pintura. Era a mulher que havia os atacando da outra vez. A responsável por os quatro terem se separado.

- Milorde Ian. – um homem muito alto, magro e de pele morena apareceu ao lado da mulher e depois mais outro mais baixo e de cabelo muito claro.

Assim como a mulher entre eles, os dois também tinham os olhos de um vermelho vívido assustador. Mesmo de longe a princesa podia vê-los.

- Milorde? – ela sussurrou assustada e confusa, quase se esquecendo de que estava presa nos braços de seu companheiro de viagem.
- Hiddvah! – gritou a mulher para o homem de cabelos claros e de corte irregular que iam quase até os ombros, acertando seu cotovelo nas costelas dele – Evos, você acertou as duas.
- Ah! Ele se meteu na frente!- esbravejou, afastando-se dela após receber o golpe e fazendo gestos exagerados - E o que eu posso fazer se sou bom nisso??
- Pretendem me ignorar por muito tempo? Quem são vocês? – Ian tirou um dos braços que estava em torno de Moira e o levou às costas, puxando com forca uma das flechas e removendo-a, deixando mais um gemido de dor escapar.

Aproveitando a brecha que ele havida dado, a princesa rastejou para trás, se afastando dele, mas ao mesmo tempo sentindo um pouco de preocupação pelo ataque que Ian havia sofrido.

- Oh. – A mulher assustadora e de olhos vidrados como os de uma boneca deu uns passos para frente – Meu nome é Mirita. Estou aqui seguindo as ordens do rei do oeste. – cruzou os braços por baixo da longa e grossa capa que usava – O meu rei deseja que você retorne.
- O “rei” deseja? – riu e levantou-se com um pouco de dificuldade, deixando a princesa ficar escondida aos olhos dos outros, atrás dele – Ônix? – dirigiu a palavra para o homem de pele escura.
- É a verdade Milorde. Ele, “o rei”, deseja seu retorno. – era um homem de meia idade e tinha uma fisionomia muito séria e fechada.

Moira estava tão confusa e assustada com aquela situação, que não sabia o que pensar. De inicio não conseguia compreender direito o que estavam conversando. Parte era culpa dos sotaques estranhos que cada um tinha. Um diferente do outro. Mas o que deixava tudo mais obscuro era a quantidade de informações novas e difíceis de acreditar que estava recebendo. Todo aquele sentimento de insegurança e medo fez com que ela ficasse quieta e encolhida apenas observando e temendo que algo pudesse lhe acontecer. Por isso mesmo que a jovem arrastou-se até esconder-se atrás do tronco da grande árvore em que antes havia parado para descansar. Concentrou-se apenas em ouvir o que era dito.

- Digam ao “rei do oeste”... – desembainhou uma das espadas que carregava - que voltarei quando eu decidir.
- Diga-me... Ian. – moveu um dos braços por dentro da capa e quando o levou ao exterior estava empunhando uma daquelas suas belas adagas douradas – Da primeira vez era impossível lhe achar. E agora foi fácil demais. – posicionou-se em sua peculiar posição de combate, parecida com a de seu adversário – Parece até que está facilitando para nós. Como você faz isso?
- Foda-se o que o rei disse! – gritou o homem de cabelos claros, que empunhava o arco e flecha - Vamos matar esse também! – rapidamente lançou uma flecha em direção a Ian.
- Não Evos! Espera! – Mirita tentou pará-lo, empurrando-o para o chão, mas já era tarde.

A flecha que havia atirado ia muito velozmente em direção à cabeça de Ian, mas embora ela fosse muito rápida, o sujeito de cabelos dourados facilmente a segurou pela haste com a mão que vestia a manopla, parando-a a vinte centímetros do rosto.

- Por que não pergunta para o seu rei como eu me tornei quem sou? – explicou de uma forma irritada, quebrando a flecha no meio e a jogando no chão agressivamente.
- Não sei por que eu trouxe você! – disse Mirita com um pé apoiado sobre o peito de Evos, que estava deitado no chão – Não ouse desobedecer ao rei ou eu irei lhe matar!
 - Tira esse seu pé daí sua vadia louca! – com as mãos impulsionou o pé da mulher para longe, quase a derrubando, e aproveitou para levantar-se rapidamente em uma cambalhota para trás.
- Hiddvah, filho de uma puta! Vai pagar por tentar me derrubar! – esbravejou contra seu companheiro.
- Ônix. – Ian chamou o homem alto que estava apenas observando seus outros dois companheiros discutirem – Quando esses desajeitados terminarem de discutir avise-os de que se tentarem ferir a garota novamente eu vou adicionar seus crânios a minha coleção.
- Era uma mulher?? – o sujeito de cabelos loiros-claro parou subitamente o que estava fazendo, perplexo e tentando enxergar Moira – Espera. A coleção... Ela é sua?? – fitou-o, curioso.

Ian apenas o encarou em silêncio. Estava mais concentrado em tentar ignorar a dor em suas costas.

- Se você não pretende nos acompanhar de volta então usarei de força para lhe convencer! – Mirita puxou o cordão da capa, soltando-a e deixando que caísse no chão, revelando sua roupa também negra que seguia as curvas de seu corpo.
- Oh. Bem... Você nunca vai conseguir o meu crânio! – Evos intrometeu-se na frente de sua companheira e trocou o arco por uma espada longa e curva que trazia na cintura, preso em seu cinto feito de tecido azul escuro – Porque eu vou mostrar que sou melhor!
- Nunca mais trago esse Hiddvah junto. – sussurrou a mulher de longos cabelos negros, cobrindo o rosto com a mão que estava livre.

Evos lançou-se na direção de Ian, empunhando seu sabre na direção do peito dele, que se ajoelhou e desviou da lâmina que havia atravessado sua capa no ar, fazendo um grande rasgo nela. Sem perder tempo o sujeito de cabelos dourados chocou o braço e ombro contra as pernas de seu adversário e jogou-o para trás, lançando-o contra Mirita, que se afastou muito rápido.

- Novatos. – Ian levantou-se e riu, olhando disfarçadamente na direção em que Moira havia ido para saber se ela ainda estava lá.
- Você vai ver quem é a porra do novato aqui! – O sujeito de cabelos loiros e muito lisos ficou irritado e tentou outra investida parecida com a primeira.

Ian estava preparado para o mesmo tipo de golpe quando Evos deu um salto e fez o sabre mergulhar em direção à cabeça dele. Sem ter tempo de desviar-se o sujeito de cabelos dourados bateu com a manopla na lâmina da espada, conseguindo faze-la afastar-se o suficiente para não acertá-lo. No mesmo instante Ian percebeu que Mirita aproximou-se sorrateiramente por suas costas e desferiu um ataque surpresa em sua direção, que foi evitado por questão de milímetros. Evos também reagiu, girando o corpo para afastar seu sabre do inimigo e tirando do cinto uma adaga. Os dois estavam perto demais de Ian e atacando ao mesmo tempo. Ambos estavam com armas de curto alcance, porém próximos demais. Eles atacaram mais uma vez ao mesmo tempo, Evos pela frente e Mirita por trás, utilizando as duas adagas douradas.

Mesmo que ele conseguisse pará-los, não poderia evitar um próximo ataque sequencial, pois não seria capaz de afastar os dois.

Ian conseguiu absorver o impacto das adagas de Mirita com as costas da manopla com garras e também impediu Evos com a espada, mas conseguiu apenas afastar a mulher. O homem de cabelos lisos aproveitou quando Ian voltou sua atenção para sua companheira e utilizou o lado do corpo para empurrá-lo, jogando-o no chão.

O empurrão fez com que Ian perdesse o equilíbrio e caísse, fazendo com que a flecha cravada em sua carne quebrasse e se enterrasse ainda mais em suas costas, o que fez com que ele perdesse a concentração e gritasse de dor.

Mirita quase perdeu o equilíbrio com o empurrão que levou, mas se recuperou a tempo de utilizar a queda dele a seu favor. Adiantou-se e pulou sobre Ian, lançando suas adagas em um mergulho em direção ao peito dele. Seu inimigo conseguiu impedir uma delas de chegar até sua garganta, segurando o braço da mulher com as garras da mão esquerda, mas a outra arma escapou e sua lâmina enterrou-se logo abaixo do ombro dele. Ian soltou um urro de dor. Ao mesmo tempo, Mirita também gritou e perdeu a concentração, permitindo que Ian conseguisse usar toda sua força para tira-la de cima dele. Jogou-a para o lado e ela ficou no chão com o rosto contorcido de dor. Ian percebeu que havia uma flecha enterrada em seu braço.

- Covardes! – gritou Moira empunhando o arco já com outra flecha pronta para ser lançada.
- Era uma mulher mesmo! – Eros parou para olhar a jovem princesa que finalmente havia reaparecido.

Ian levantou-se rapidamente, embora estivesse cambaleante, afastou-se dos dois e puxou a adaga que estava presa em seu ombro, contorcendo o rosto em reação a dor que sentiu.

- Sua vadia! – Mirita berrou contra Moira, arrancando a flecha de seu braço e levantando, muito irritada – Evos! Cuide dela!
- Exatamente o que eu estava pensando em fazer!  - voltou a pegar seu arco.
 - No tempo que você levar para puxar a flecha da bolsa, já terei atirado esta! – gritou Moira, nervosa e assustada, mas mantendo o arco firme em suas mãos.
- Tem certeza? – sorriu maldosamente para ela.
- Cuidado! – disse Ian, correndo em direção à princesa, porém foi impedido por Mirita que se colocou na frente, já o atacando novamente.

Ele desviou a lâmina da adaga dela com a luva de garras, fazendo um alto som do metal se chocando.

- Quer isso de volta? – levantou com dificuldade o braço direito, mostrando a outra adaga de Mirita.
- Posso usar uma só contra você! – girou a arma na mão e desferiu outro golpe contra ele.
Enquanto os dois distribuíam golpes um contra o outro sem que nenhum fosse realmente capaz de acertar seu adversário, Moira mantinha Evos em sua mira, tentando impedi-lo de sacar uma flecha para usar contra ela.
- Basta você piscar que eu terei pegado a flecha. – zombava Eros.
- Isso não vai acontecer. – a jovem princesa segurava o arco na horizontal e mantinha-o na altura dos olhos.

O sujeito de cabelos claros e fisionomia impaciente fez um movimento brusco, insinuando-se para frente, o que fez com que Moira, por impulso, atirasse a flecha contra ele. Com a extremidade de seu próprio arco, Evos bateu na ponta metálica da flecha ainda em movimento e desviou sua direção. Em seguida sacou sua flecha muito mais rápido do que a princesa conseguiu fazer.

- E o que vai fazer agora? – tinha um sorriso maldoso estampado no rosto – Sou muito mais rápido.
- O que tem braços, pés e costas, mas não tem pernas? – perguntou Moira, séria.
- O que? – Evos estava confuso com a pergunta.
- Se você é inteligente tenho certeza que consegue desvendar a charada. – lentamente deu um passo para trás, enquanto distraia o sujeito.
- Por que eu tenho que responder isso? – não parecia muito preocupado com o que a jovem poderia fazer, então acabou por não perceber que ela havia se movido.
- Você não tem. Você é um tolo e nunca vai conseguir achar a resposta da charada. – conseguiu dar mais um passo para trás sem ser descoberta.
- É claro que eu posso responder isso! – contestou gritando com indignação.
- Prove! – fitou-o com desdém e deu seu último passo para trás, girando desajeitadamente o corpo para trás de uma arvore.

Havia conseguido disfarçar enquanto enganava o homem, mas Moira estava apavorada. Seu corpo todo tremia e ela nem conseguia puxar direito outra flecha da bolsa em suas costas.

- Se esconder não vai lhe salvar! - vozeou com irritação, andando na direção dela.

Enquanto isso Ian lidava com a habilidosa mulher de cabelos escuros, ambos com os movimentos de um dos braços comprometidos. Ele estava ciente do perigo que Moira enfrentava, mas não conseguia se livrar de Mirita. Resolveu que precisava arriscar um ataque mais ofensivo para tentar tirá-la de sua frente e cuidar da princesa. Ao segurar uma das investidas dela, cravou suas garras na mão da mulher, que gritou e perdeu o foco momentaneamente. O movimento deu uma oportunidade para Ian, que usou a arma que estava no outro braço e lançou-a contra o peito de Mirita. Recuperando-se rapidamente, a mulher de olhos vermelhos bateu com a perna no braço dele. O braço que segurava a adaga e também aquele que estava sofrendo as consequências do ferimento abaixo do ombro. Ian acabou perdendo a arma, que foi jogada para longe de sua mão.

Mirita conseguiu livrar sua mão das lâminas garra, mas agora lhe doía bastante segurar a adaga. Sem o que fazer ela jogou o peso do corpo contra ele lateralmente, conseguindo criar uma brecha para enterrar a lâmina da adaga no abdômen de Ian, logo abaixo de suas costelas do lado esquerdo do corpo. Um golpe bem sucedido, entretanto também havia lhe custado caro. Ian havia a acertado com suas garras acima do seio direto dela, cravando-as tão profundamente quanto a lâmina da adaga havia adentrado em sua carne segundos antes.

- Você ama “ele”. – Ian sussurrou, quase sem fôlego, bem próximo ao ouvido dela.
- O que você...? – Mirita, mesmo com muita dor e tentando se livrar das garras metálicas enfiadas em seu peito, pareceu ficar alarmada com a afirmação de Ian.
- Ele já sabe que você me atacou. E está muito irritado. – apesar do alto nível de dores que sentia por todo o corpo, ainda assim conseguiu esboçar um sorriso malicioso.
- Do que está falando? – conseguiu puxar a arma de volta e Ian arrancou as garras, soltando-as da carne de Mirita e afastando-se dela.

O movimento que os dois haviam utilizado fez Evos parar o que estava fazendo e prestar atenção neles. Moira, que estava escondida atrás da árvore, também acabou voltando sua atenção neles.

- Ônix. – o sujeito de cabelos dourados tentou falar alto e imponente, mas seu fôlego estava lhe traindo – Leve os dois de volta para o oeste.
- É o mais sensato. Irei fazê-lo, Milorde. – o homem respondeu e se movimentou até a mulher com os olhos vermelhos e cansados.

Mirita caiu de joelhos no chão e tossiu, cuspindo sangue. Ônix foi até ela e a ajudou a levantar.

- O que houve com a louca? –Evos dirigiu-se até os dois, guardando o arco.
- Vamos voltar. – Ônix ordenou calmamente.

Enquanto os três se reagrupavam, Ian andou cambaleante até Moira, que estava sentada com as costas apoiadas no tronco de arvore e uma expressão aterrorizada no rosto.

- Vossa Alteza está bem? – sussurrou, jogando-se de joelhos no chão e apoiando o braço afetado no tronco.
- Sim. – respondeu baixinho, ainda tentando processar tudo o que havia acontecido e acalmar seu coração que batia com aflição.
- Ótimo. – contorceu o rosto com a dor e apoiou a lateral do corpo na arvore, levando a mão que vestia a manopla toda ensanguentada sobre o ultimo ferimento que havia adquirido.
- O que eles... – olhou na direção em que o trio estava, mas não havia mais sinal deles e então ouviu Ian gemer mais uma vez – N-não ouse morrer. Quero voltar para casa. – franziu a testa, nervosa sem saber o que deveria fazer.
- ...Vai voltar... – deixou o corpo cair mais uma vez, sentando-se ao lado dela e gemendo.
- Você... Não precisa cuidar dessas feridas? – encolheu-se e observou a ferida abaixo do ombro dele.
- Tem uma ponta de flecha nas minhas costas. – deu uma risada abafada enquanto curvava o corpo para frente e baixava a cabeça.
- Acho que agora eu entendo porque você tem tantas cicatrizes... – deu um suspiro, sem saber ainda qual era a real gravidade da situação, mas aliviada que o perigo parecia ter passado.
- Eu... – parou para respirar, estava ofegante – Acho que perdi sangue demais. – afastou a mão da ferida no abdômen que estava ensopada de sangue, tanto de MIrita quanto dele.

A princesa não conseguia ver direito o quanto o sujeito havia sangrado, pois suas roupas eram muito escuras, mas quando viu a quantidade de sangue na luva de Ian, seu coração voltou a disparar e o medo estava lá mais uma vez para assombrá-la. A sensação de que a floresta estenderia suas mãos espectrais para lhe capturar e levar para a sombra. Para ficar perdida para sempre...

- Não... – Moira sussurrou para si mesma, tentando reprimir a sensação a todo o custo, chegando ao ponto de contrair seus músculos.
- Vossa Alteza... – sua voz estava lenta e sua pronuncia estava ainda mais carregada pelo sotaque estrangeiro – Estou perdendo a consciência... – levantou a cabeça para visualizar o rosto dela, entretanto sua visão estava turva demais e a cada instante o ambiente era pouco a pouco engolido pelas trevas.
- Pare de morrer! – quando percebeu que o corpo do sujeito estava escorregando para frente esticou os braços e tentou impedi-lo – Por que você é tão pesado!? – tentava sustentar o peso dele com os braços, mas Ian deveria ter facilmente o dobro do peso dela, o que lhe tornava a tarefa complicada.

Depois de muito esforço conseguiu empurrá-lo para o lado, deixando-o cair sobre as folhas mortas que forravam o chão. A garota percebeu que uma de suas mãos estava encharcada com o sangue dele. O cheiro de todo aquele sangue deixava-a nauseada. Logo percebeu que precisaria fazer algo se não quisesse perder sua melhor chance de voltar para Sempterot. Para o castelo. Moira sabia que ele estava vivo, pois percebeu que respirava, mas se Ian morresse ela provavelmente perderia completamente o controle que se esforçava tanto para manter. E se isso acontecesse seria o fim para a princesa.


Capítulo 8: Fim.

Natalie Bear

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Capítulo 8 - Parte 1

Capítulo 8: Segredos Não Revelados

Parte 1: A Pintura






O sol adentrava pelo vidro empoeirado da janela, iluminando o quarto da hospedaria com uma luz amarelada e forte. Apenas uma janela estava com as venezianas abertas e só isso já era o suficiente para deixar o quarto inteiro claro.

A luminosidade que ficava cada vez mais forte estava atrapalhando o sono de Ian que, inevitavelmente, acordou incomodado. Abriu lentamente os olhos, acostumando-os à luz do dia. Rapidamente sentiu algo quente encostado em seu braço e levantou brevemente a cabeça para entender do que se tratava. A jovem princesa dormia serenamente com o corpo todo encolhido e encostado no braço dele. Ela estava deitada de lado e seu rosto estava próximo ao seu ombro, praticamente fora da almofada. Ian riu baixinho. A princesa havia feito drama e discutido tanto por ter de dormir na mesma cama que um homem e agora estava praticamente agarrada nele.

Tendo cuidado para não acordar Moira, ele se levantou da cama e a observou se acomodar bem no meio da cama, ainda adormecida.

- Fazia tempo que eu não acordava com uma mulher ao lado. - sussurrou para si mesmo, rindo enquanto olhava para a princesa com seu sorriso ardiloso e vestia sua camisa negra.

Calçou as botas e saiu pela porta do quarto. O som da porta, mesmo que não tivesse sido muito alto, acabou acordando Moira.

A jovem acordou atordoada, demorando um pouco para se situar. Percebeu que estava no meio da cama e sozinha, mesmo que tivesse demorado em lembrar-se de que havia dormido ao lado de Ian. Levantou-se assustada, achando que havia sido abandonada lá. Que teria de voltar sozinha para casa. Entretanto, quando olhou a sua volta pelo quarto, percebeu que os pertences dele ainda estavam lá e ficou aliviada. Em parte por não ter de acordar com o sujeito ao seu lado.

Sem muita pressa ela se levantou da cama, espreguiçou-se e calcou as botas. Sentia sede, mas não havia água em lugar nenhum do cômodo, como costumava ter no seu quarto no castelo. Olhou em volta, sem saber exatamente o que estava procurando, até que seus olhos pararam na bolsa de couro que Ian quase sempre carregava escondida debaixo de sua capa. Estava ao lado de sua manopla com garras de metal. Ao ver aquilo depositado no canto do quarto, sentiu uma vontade irresistível de descobrir o que havia dentro dela. Perguntava-se o que um homem como ele poderia carregar em uma bolsa como aquela.

Levantou-se da cama e caminhou lentamente sem fazer barulho para a bolsa, como se alguém estivesse perto e pudesse ouvir seus passos, e sentou-se a sua frente. O objeto não deveria ter mais de 20 centímetros de comprimento e era bastante velho e surrado. Parecia ter sido algo bonito em algum momento de sua existência, pois possuía alguns ornamentos desgastados e símbolos irreconhecíveis. A fivela que fechava a bolsa estava muito velha, começando a enferrujar e o filete de cinto que atravessava a fivela estava quase rasgando.

Sem pensar muito sobre o estilo da bolsa, Moira desfivelou o filete com todo o cuidado e delicadamente afastou a tampa que a cobria, abrindo-a. Primeiro ela tirou de dentro algumas folhas de papel velho e meio amassado. Todas traziam muitas palavras escritas, mas estavam em uma língua que a princesa jamais havia visto antes, além de terem uma caligrafia corrida e estranha. Talvez fossem escritos da língua de Ian, apesar de que alguém como ele saber ler seria muito intrigante, pensava a jovem princesa. Em seguida ela puxou de dentro uma fita de cetim vermelho muito desbotado e com uma mancha antiga e bastante escura que cobria metade do pequeno tecido. Não sabia que importância tinha aquilo, mas parecia inútil, então deixou de lado e continuou a busca. O objeto seguinte foi um carretel com uma linha grossa e negra com uma agulha curva presa por entre os fios. Também deixou esse objeto de lado. Moira puxou mais um item de dentro da bolsa. Um tecido velho todo dobrado. Desdobrou-o, tirando de seu interior uma grande e rígida lasca cor de marfim.

- Mas o que é isso? – não fazia ideia do porque de um pedaço que julgava ser de algo sem importância alguma estava guardado enrolado por um tecido - Ele só guarda objetos inúteis e sem sentido! – deixou o item envolto no pano como estava antes e o colocou de lado.

Tateou o fundo da pequena bolsa e sentiu mais um pequeno pedaço de papel dobrado. Puxou-o para fora e percebeu que havia algo escrito, mas precisava desdobra-lo para ver por inteiro. Rapidamente o fez e encontrou uma escrita em uma caligrafia redonda e mais bonita que aquela vista nos papéis anteriores.

- Nádia. Ian. Jun. – Moira leu, sem saber o que queria dizer, apenas entendendo que o nome do dono da bolsa estava sendo citado.

Sem entender o motivo daquele papel, a princesa examinou-o mais um pouco, até que decidiu virá-lo, para o lado que ficava oculto enquanto estava dobrado. Visualizou incrédula ao que parecia ser uma pintura antiga e desgastada de três jovens. Um deles era uma menina. Uma garota mais ou menos da idade de seu próprio irmão, o príncipe. Ela tinha cabelos castanhos claros, parecidos com os de Moira, só que com muito mais cachos anelados. Seus olhos também eram azuis, apesar de serem mais escuros. Apenas a cor da pele se diferenciava visivelmente. Era mais escura, mais bronzeada.

- Por que... ? – não sabia exatamente o que pensar, por isso continuou analisando a estranha pintura.

O retrato sequer parecia ter sido pintado, pelo menos Moira jamais havia visto uma pintura tão lisa e luminosa.

Voltou a observar os integrantes da figura. O jovem da esquerda, o mais alto, só poderia ser Ian quando bem mais jovem, também uma idade próxima a de Maxwell. Tinha o cabelo muito bagunçado e cortado quase rente ao couro cabeludo, além de que ambos os olhos eram verdes. A princesa se perguntou se os olhos dele realmente já chegaram a ser ambos verdes em algum momento de sua vida. Sua pele era um pouco mais clara na imagem, quase como a da garota. Também dava para se identificar o minúsculo pontinho abaixo de seu olho esquerdo, uma pequena mancha de pele. Ian sorria na figura. Um sorriso bem menos agressivo do que o que costumava fazer.

Moira finalmente colocou os olhos sobre o ultimo menino da pintura. Não era nem tão baixo quanto a menina, nem tão alto quanto Ian. Tinha a pele quase tão pálida quanto a da princesa, mas tanto os cabelos quanto os olhos estreitados eram negros e seu sorriso era tímido. Por alguma razão a jovem princesa tinha uma leve impressão de que aquele rosto lhe era familiar, mas não deu muita atenção a sensação.

Aquela pintura havia deixado a jovem muito confusa e desconfiada. Figuras daquele tamanho ela só havia encontrado em livros, mas geralmente eram pintadas com aquarela e pouco se pareciam com a realidade. A pequena imagem era realista demais. Como Ian havia conseguido algo assim? Ao menos que conhecesse pessoalmente um pintor, Moira até então duvidava que ele pudesse pagar por aquilo. Mas e a propriedade de refletir a luz? E por que a menina da figura lembrava um pouco dela mesma quando mais jovem? Não se lembrava de ter o rosto tão redondo como o da menina nem as sobrancelhas finas e arqueadas, mesmo assim algumas características aproximavam as duas.

Separou a figura e guardou os outros objetos na bolsa. Estava decidida em fazer Ian responder suas perguntas. Seria a primeira atitude que Moira tomaria quando ele chegasse.

Não demorou muito para que ele retornasse. Quando entrou pela porta trazia em uma das mãos um pedaço de pão mordido e também mastigava algo. Esboçou um sorriso para a princesa após engolir o que estava mastigando, entretanto, em resposta ao sorriso, Moira o fitou parecendo muito irritada. Estava sentada na cama e de braços cruzados.

- Eu não fiz nada com Vossa Alteza que justifique me receber com essa expressão. – respondeu tranquilamente e deu outra mordida no pão.
- O que é isto? – tirou a foto do bolso da calça e a desdobrou, mostrando-a para o sujeito.
- Isto é... – engoliu – Fruto da curiosidade de uma jovem muito metida. – riu rapidamente, mas logo sua expressão ficou bem mais séria.

Rapidamente sentou-se bem ao lado da princesa, o que a fez reagir se afastando um pouco dele.

- Eu quero que você que responda! – falou alto e recuou um pouco o braço para si.
- Uma imagem obtida por exposição à luz. – agarrou o pulso dela com força – E me pertence.
- Me solte! – tentou puxar o braço, mas não conseguiu o soltar – O que isso significa? – tentou abrir os dedos dele em volta de seu pulso com o braço que estava livre, mas era um esforço inútil.
- Está curiosa? – inclinou-se levemente na direção dela e a fitou – Vamos fazer um joguinho. Eu irei responder uma pergunta sua toda vez que você responder uma minha. – o olhar assustador dele havia voltado e estava deixando Moira nervosa.
- Não vou jogar nada com você! – afastou-se o máximo que conseguia, mesmo com o pulso preso na mão dele.
- Então também não irei responder nada. – prendeu o pão na boca e liberou a mão para tirar a figurada dos dedos da princesa, logo em seguida soltando-a.

No momento em que foi solta, Moira levantou-se rapidamente e recuou quase até o canto do quarto, assustada. Por alguns minutos ficou em silêncio, respirando fundo para se acalmar e pensando no que fazer, enquanto Ian terminava de comer.

- Eu aceito seu jogo. – murmurou observando o homem cautelosamente, com medo de sua reação.
- Muito bom. Agora se sente. – bateu levemente a palma da mão na cama.
- Vou ficar de pé. – cruzou os braços.
- Como quiser. Eu começo com as perguntas. – sua expressão amenizou, desta vez havia voltado a sorrir.
- Por que você quem vai começar? Eu que fiz uma pergunta primeiro! – franziu a testa, começando a se irritar.
- Eu criei as regras. – esboçou um sorriso maldoso – Minha pergunta é: Por que você odeia o seu noivo? Mesmo antes de ele bater no seu rosto.
- Meu rosto... – descruzou os braços e passou as mãos sobre a face, onde havia sido agredida – Como você sabe disso?
- Vossa Alteza tem que responder a minha pergunta antes de me fazer outra. - levantou-se da cama e buscou alguns dos itens de sua vestimenta, logo voltando a sentar.

Moira deixou escapar um suspiro de protesto, desde a primeira pergunta já não estava gostando nem um pouco do jogo.

- Desde que o conheci nunca gostei dele. – fitou o chão enquanto segurava o final da trança nas mãos, enrolando nos dedos a ponta do cabelo.
- Isso não respondeu a minha pergunta. – explicou enquanto passava o cachecol em volta do pescoço – A verdade, Vossa Alteza.
- O que está dizendo? – cerrou os dentes e as mãos, bufando – Quer saber a verdade?? – aumentou muito o tom da voz, completamente transtornada – Minha mãe morreu por causa desse noivado! – esbravejou movendo violentamente os braços – Minha pergunta agora! Quem é a menina da pintura!??
- Ela era Nádia, minha meia-irmã. – havia baixado o tom de voz e tinha um olhar distante, triste.
- “Era”? Ela está morta? – se acalmou um pouco, pois teve a impressão de que, assim como ela ficara ao falar sobre a mãe, Ian também ficava incomodado em tocar no assunto.
- Vossa Alteza já fez sua pergunta. – mais uma vez levantou-se da cama e se dirigiu até sua bolsa e manopla, ao lado da princesa, abaixando-se – Não temos mais tempo para perder com conversa. Temos que seguir viagem. – vestiu a manopla na mão esquerda – E tenho uma má noticia.
- Má noticia? – afastou-se, sentia-se mais aliviada por Ian não ter continuado o assunto, ou perguntado algo a mais sobre sua mãe, mas ficou curiosa com o que o sujeito tinha a dizer.
- Estávamos seguindo na direção errada. – prendeu a bolsa no cinto e o vestiu.
- Direção errada? Está dizendo que não estávamos indo em direção a Sempterot?? – irritou-se mais uma vez, incrédula com a notícia.
- Estamos agora a mais de seis dias de seu castelo. – vestiu a capa negra – Será melhor irmos em direção a Miraluna, estamos mais perto de lá. – prendeu as espadas na cintura – De lá a rainha poderá lhe mandar em uma carruagem de volta para sua cidade em um tempo bem menor.
- Quanto tempo até Miraluna? – tinha uma expressão de desaprovação no rosto.
- Conseguimos chegar lá em três dias. – guardou a adaga dentro do colete e pegou o arco e o estojo com as flechas.
- E por que não arranjamos cavalos!? – elevou mais uma vez o tom de voz, cruzando os braços, emburrada.
- Vossa Alteza sabe como montar em um?
- Não... – respondeu com um pouco de constrangimento.
- Nem eu. – riu e se aproximou dela – Vai carregar isso aqui como punição por ter bisbilhotado os pertences alheios – entregou nas mãos de Moira o arco e o estojo de flechas.
- Você não sabe mesmo montar em um cavalo? – estava tão perplexa com a informação que nem havia prestado muita atenção na ultima frase do sujeito.
- Não. – foi até a porta e a abriu – Vamos depressa. Vossa Alteza ainda precisa comer seu dejejum. Lá embaixo. – apontou em direção ao chão e saiu pela porta.
- Ei! Espere! Explique isso! – correu atrás dele, levando consigo os objetos que havia recebido de Ian.

Tinham em frente mais um longo dia de caminhada e ainda assim precisariam de pelo menos mais dois até que chegassem a Miraluna. Isso se não houvesse distrações no caminho.


Continua...

Natalie Bear

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Capítulo 7 - Parte 4

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

  Parte 4: Paredes à Baixo




Uma mulher de mais de quarenta anos de idade e cabelos negros trançados, quando estava passando pelo corredor que dava acesso aos quartos da hospedaria, ouviu um som abafado, parecendo com soluços. Resolveu seguir o ruído, iluminando o caminho à sua frente com a lamparina que segurava. Não demorou muito para encontrar um jovem garoto sentado e encolhido em um canto, chorando baixinho, com a cabeça poiada sobre os braços.

- Jovem. Você não é o garoto que estava com aquele homem de cabelos dourados? – aproximou-se iluminando o garoto à sua frente – Por que está chorando?
- Não estou chorando. – resmungou, levantando a cabeça rapidamente para ver a mulher e baixando novamente.
- O seu mestre o mandou dormir no corredor?
- Ele não é meu mestre...
- Então é o que? – a mulher agachou-se perto do jovem.
- Nada! Eu o odeio! – enxugou o rosto na manga da camisa bege.
- Venha comigo até o meu quarto. Eu poderei lhe confortar melhor lá. – estendeu a mão e sorriu.
- Não! – gritou e se levantou – São todos tolos aqui! – correu pelo corredor, deixando a mulher para trás.
- O que eu faço agora...? – murmurou para si ao parar na ponta do corredor – As pessoas daqui são burras demais. Jamais vão entender que eu sou filha do rei... Mesmo que eu ameace mandar matar todos... – suspirou e encostou a testa na parede de madeira – Aqui está tão frio...

Moira sabia que o quarto estava com uma temperatura melhor que o corredor, mas tinha medo de voltar lá e encontrar Ian ainda acordado. Não queria ter de encarar aqueles olhos novamente. Ficou pensando por mais um tempo, percorrendo os corredores de um lado para o outro até que finalmente desistiu. Era melhor voltar para lá... Não havia mais nada que poderia ser feito. A princesa sabia que provavelmente Ian era a única pessoa em que poderia conferir a tarefa de leva-la de volta para casa. Por menos confiável que fosse ele já havia a protegido daquela explosão e cuidado dela quando poderia ter a deixado perdida na floresta. Encontrar outra pessoa confiável para levar a princesa de volta ao castelo seria muito difícil. Moira conhecia os perigos existentes do lado de fora das paredes do castelo, mesmo sempre evitando entrar em contato com o exterior.

Sentindo-se derrotada por sua própria dependência, a jovem princesa resolveu que o melhor a fazer era voltar para lá antes que se perdesse ou que algo ruim acontecesse.

Caminhou de volta para a porta e girou a maçaneta com todo o cuidado, evitando fazer barulho. Se ele estivesse dormindo seria bem mais vantajoso para ela que continuasse assim. Entrou rapidamente e fechou a porta, só então foi ver qual era a situação dentro do quarto. A lamparina ainda estava acesa e no mesmo lugar em que o sujeito havia deixado. Moira olhou para a cama e percebeu que ele estava lá e parecia dormir. Estava de bruços e coberto até a metade das costas por um cobertor, mas não vestia camisa. Graças à luz da lamparina que não estava muito longe, a princesa pôde ver facilmente de onde estava várias marcas nas costas e braços de Ian. Pelo menos uma era mais saliente e maior, mas parecia antiga. Ela também enxergou duas manchas que pareciam queimaduras recentes. Uma era pequena e estava mais próxima do ombro esquerdo e a outra maior bem mais abaixo, estando meio escondida pelo cobertor. Não demorou muito para que se questionasse se as queimaduras tinham sido feitas pela explosão da qual ele havia a salvado.

De repente percebeu que estava olhando a tempo demais para as costas de Ian e desviou os olhos para a lamparina na mesinha do outro lado da cama. Estava imaginando se iria ser muito doloroso dormir naquele chão de madeira do quarto. Até mesmo o solo da floresta era mais agradável do que aquilo, frio e duro.

A filha do rei não deveria ter que dormir no chão quando há uma cama em sua frente. Aquele homem tinha muita audácia em fazer algo assim com ela, pensava Moira. Logo após o pensamento cruzar sua mente, a jovem percebeu que Ian havia deixado sua adaga sobre a mesinha, ao lado da lamparina. Aquele objeto à sua disposição lhe deu uma ideia. Não era uma alternativa muito boa, mas era a única disponível para que Moira pudesse se iludir o suficiente para arriscar.

 Bem devagar, tentando não fazer nenhum som enquanto caminhava pelo assoalho de madeira, ela se aproximou da mesinha e pegou a adaga, trazendo para mais perto do rosto e examinando-a. Era a desculpa que precisava para se convencer a deitar na cama com aquele homem sem temer que ele a tocasse. Se o fizesse, Moira iria golpeá-lo com a arma. Qualquer pretexto que lhe permitisse poder usufruir do conforto da cama, embora provavelmente fosse bem menos macia que a sua própria, lá no castelo.

- Coloca essa faca de volta na mesa. – Ian resmungou sem abrir os olhos.

O resmungo do sujeito assustou a princesa, que acabou deixando a arma cair no chão.

- Está tentando furar o próprio pé? – levantou a cabeça e fitou a garota.
- Você me assustou! – gritou nervosa – Quase me feri por sua culpa! – sentou na cama e respirou fundo, tentando se acalmar.
- Da próxima vez não roube armas alheias. – ajeitou-se na cama e voltou a deitar a cabeça na almofada – Junte e coloque de volta na mesa.
- Você não manda em mim! – virou a cabeça para trás – Ah! – Levantou-se de súbito e acabou anulando todo o esforço que tinha feito para se acalmar – Espero que não esteja despido debaixo desse cobertor!
- Estou. –sorriu e apoiou-se sobre os ombros, levantando um pouco o tronco de cima da cama.
- N-Não saia daí! – recuou, levantando o braço quase na altura do rosto.
- Estou brincando. – riu – Ainda estou vestindo calcas.
- Odeio você... – murmurou.

Ian levantou-se da cama e contornou-a, juntando a adaga do chão e a colocando de volta na mesa.

- Vossa Alteza foi pedir outro quarto? – parou de frente para ela, deixando que visse as várias cicatrizes que tinha no corpo.
- Não... – respondeu baixinho, desta vez não conseguia tirar os olhos da grande cicatriz transversal em seu peito.
- Isto aqui lhe atrai? – passou os dedos sobre a cicatriz.
- Não! –exclamou e levantou os olhos para o rosto dele, sentindo-se constrangida.
- Vossa Alteza. – esboçou um sorriso maldoso no canto da boca – Se eu pretendesse abusar de você eu já teria o feito ainda lá na floresta, onde não havia ninguém para atrapalhar. Então deite naquela cama e durma. – gesticulou em direção à cama.
- Tenha respeito ao falar comigo! – esbravejou, gesticulando nervosamente – Estou cansada dessa sua falta de respeito! E eu que achava que você seria um servo obediente...!
- Vossa Alteza deseja que eu seja obediente? – aproximou-se um pouco mais dela, fazendo com que a princesa reagisse dando um passo para trás – Hoje não. Vamos dormir e amanha vemos isso. – sorriu e deu as costas para ela.
- Pare de brincar comigo... – suspirou e jogou a cabeça para trás - Escute. Eu entendi que se você quisesse podia ter me deixado para morrer na floresta. Que não teria nem me salvado da explosão, afinal, essa queimadura nas suas costas... Foi por causa de todo aquele fogo, não é?
- Suponho que sim. – voltou a deitar-se de bruços na cama enquanto ouvia o discurso da princesa.
- Só que não entendo por que você o fez, mas me trata como se eu que fosse a sua criada! Eu sou a princesa! Você é o criado! Não faz sentido. – baixou a cabeça e pousou suas mãos sobre ela.
- Chega de conversa por hoje ou logo vai amanhecer e Vossa Alteza não terá dormido nada. Ainda precisamos viajar até a sua cidade. – enterrou a cabeça na almofada – E deixe a adaga onde está. – a voz saiu bastante abafada.

Moira deu outro suspiro. Já estava muito cansada e realmente precisava dormir, mas sabia que se sentiria ainda mais constrangida se deitasse ao lado dele. Ian só fazia com que ela provasse da humilhação e derrota o tempo todo, sentimentos que a princesa detestava. Mas não era o momento de brigar. Precisava recuperar as energias para conseguir o fazer. Tentando não pensar muito mais no assunto, Moira se aproximou da cama, soltou a capa que vestia, deixando-a escorregar para o chão e sentou-se do lado que estava vazio, próximo a lamparina. Quase sem vontade e já sentindo seus músculos protestarem, ela removeu as botas de seus delicados pés. Em seguida desfivelou o cinto e o colocou sobre a mesinha. Após remover o colete de couro de baixa qualidade, destrançou o longo e volumoso cabelo castanho-claro e o penteou com os dedos. Estava de costas para Ian, mas podia sentir seus olhos sobre ela, o que estava deixando-a nervosa.

- O que está tramando? – girou um pouco o tronco e fitou seu rosto, constatando que ainda estava acordado e realmente olhando na direção dela.
- Nada. Eu gosto do seu cabelo solto. – esboçou um sorriso.
- Pare com isso! – pegou a almofada do seu lado da cama e jogou sobre a cabeça dele.

Após levar a almofadada ele simplesmente tirou o objeto de cima de sua cabeça e pousou-o sobre o que já estava usando, deitando sobre ele.

- Devolva! – bateu com a mão sobre a cama.
- Jogou para mim. Agora é meu. – acomodou-se no travesseiro tranquilamente.
- Saia de cima! – levantou as pernas para cima da cama e virou-se completamente para ele – Você já tem o seu! Pare de me atazanar! – quase levou as mãos à almofada, mas recuou, temendo como ele reagiria.
- Implore.
- Não vou implorar! – desistiu de sua cautela e agarrou a borda da almofada.

Deu um puxão com toda sua forca, mas naquele mesmo instante Ian havia soltado o objeto e o excesso de forca que a princesa usou a fez jogar o corpo para trás, caindo da cama. O homem de cabelos dourados, segurou-a pelo pulso antes que caísse e a puxou agressivamente de volta para a cama, fazendo-a bater com o rosto no colchão onde antes ele estava deitado.

- Não dá para ficar quieta? – ele perguntou, enquanto a jovem estava caída atravessada na cama e ele de joelhos ao lado dela – Se não quiser dormir tudo bem, mas não irei lhe carregar amanhã quando estiver quase dormindo em pé.
- Bruto! Isso doeu! – ergueu o corpo e sentou-se na cama, levando uma das mãos ao rosto – É sua culpa por ter roubado minha almofada! – sacudia com irritação o objeto que havia acabado de recuperar.
- Vossa Alteza já está com ela. – segurou o braço da princesa que se movia compulsivamente.
- Me solta. – puxou o braço de volta e largou a almofada onde era seu lugar.
- Então boa noite Vossa Alteza. – aproveitou que ela saiu de seu lugar e voltou a se deitar, ajeitando as cobertas sobre o corpo. – E sai de cima do cobertor.
- Não vou dar boa noite para alguém como você. – entrou embaixo do cobertor e deitou a cabeça na almofada, se esforçando para esquecer que havia um homem ao seu lado.
- Como quiser.

Moira havia se encolhido o mais distante que conseguia de Ian, mesmo assim estava nervosa demais para conseguir dormir. Já o sujeito estava acomodado relaxadamente sobre a cama, ignorando completamente a presença da jovem ao seu lado.

A jovem estava tão transtornada que até mesmo a lembrança dolorosa de não saber como seu irmão mais novo estava havia abandonado sua mente momentaneamente. Ela precisou de muitos minutos para finalmente se render ao cansaço e cair no sono para dormir pesadamente o resto da noite.


Capítulo 7: Fim

  Natalie Bear

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Parte 3

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

Parte 3: Direto ao Ponto





A noite já havia caído sobre a pequena cidadezinha barulhenta já fazia pelo menos uma hora. As ruas já estavam ficando desertas e a temperatura havia baixado muito. A maioria das casas já estava mergulhada na escuridão, apenas algumas poucas residências ainda tinham seu interior iluminado por velas e lamparinas.

- Se isto lhe alegrar... Vossa Alteza está se parecendo muito com seu irmão. – Ian tinha um sorriso malicioso em seus lábios.
- Logo você vai se arrepender por ficar constantemente me insultando assim. – falou baixo, porém cheia de ódio.
- Foi só um elogio. – respondeu cheio de sarcasmo.
- Já é noite. E agora? – mudou de assunto para evitar ficar ainda mais irritada.
- Lembro-me de ter visto alguma hospedaria por aqui. O dinheiro que sobrou deve servir. – adiantou-se na frente da princesa, seguindo para o centro da pequena cidade, seguindo para o local em que a iluminação era mais intensa.
- Estamos perdendo tempo demais... – Moira murmurou, muito aborrecida.
- Aqui está. – Ian parou na frente de uma grande porta fechada que possuía uma placa bastante visível acima.
- Hospedaria, taberna e bordel. – a jovem princesa leu as palavras entalhadas na velha placa e virou-se para seu companheiro de viagem – O que é bordel? – nunca havia lido nem ouvido aquela palavra antes.

Ian riu, percebendo que ela realmente não sabia do que tratava a palavra.

- Por que você não entra e descobre? – esboçava um sorriso pelo canto da boca.
- Por essa sua expressão imagino que eu não vá gostar. – fitou-o com desaprovação no olhar.
- Provavelmente é a única hospedaria daqui. Você não tem escolha. – tinha um sorriso maldoso estampado no rosto – Vamos entrar. – pegou-a pelo braço e a puxou para dentro do local.

Ao contrário do lado de fora, dentro da construção tinha várias pessoas e bastante barulho ecoando em todas as direções. Deveria haver, ao todo, umas vinte pessoas e a maior parte parecia comemorar algo alegremente. Moira passou os olhos rapidamente pelo local sem prestar muita atenção e não encontrou nada de tão estranho assim. Até que uma mulher veio até eles para recepcioná-los.

- Boa noite, cavalheiros. – fitou-os com um sorriso mal-intencionado.
- Cavalheiros...? – Moira balbuciou enquanto olhava para a roupa estranha da moça.

Vestia um corpete muito apertado que lhe dava uma aparência vulgar. Seu vestido tinha uma cor amarela vibrante. Tinha o cabelo castanho preso em um coque, mas parte dele estava solta, revelando os cachos da mulher de olhos muito escuros. Deveria estar na faixa dos trinta anos e não era muito alta.

- Boa noite. – Ian respondeu sem muito interesse enquanto olhava em volta.
- Estão procurando por uma mesa? – a mulher sorriu – Por favor, me acompanhem. – segurou a mão de Ian e o conduziu pelo salão.

Moira não precisou de muito tempo para descobrir o tipo de lugar devasso em que estava. Nunca havia visto algo parecido, mas o modo como as garotas de lá agiam, o jeito seminu com que se vestiam, o modo de falar... Não era certo para ela. A libertinagem estava em todos os cantos.

- Esta mesa está vagas para os senhores. – largou a mão de Ian e fitou seu rosto – O senhor é um estrangeiro? – tinha um olhar intenso sobre ele.
- De fato. – sorriu enquanto sentava-se em uma das cadeiras e fazia sinal para Moira também o fazer.

A jovem obedeceu-o, sentando-se o mais afastado que pode dele, do outro lado da pequena mesa redonda, e fez uma careta emburrada.

- Eu quero sair daqui. – balbuciou e bufou.
- Gostaria que nos servisse de comida e vinho, por favor. – sorriu para a mulher que o atendia e ignorou a princesa.
- Sim senhor. – a mulher correspondeu ao sorriso e retirou-se.
- Eu disse que quero sair daqui! – levantou-se bruscamente e bateu as mãos na mesa, chamando atenção de algumas pessoas à volta.
- Cale a boca e sente se você quiser comer algo. – respondeu de um modo tão rígido que a garota simplesmente o obedeceu por reflexo e arregalou os olhos, perplexa.

Duas outras mulheres, vestidas de forma parecida com a primeira, aproximaram-se da mesa trocando risadinhas uma com a outra.

- Milorde é mesmo um estrangeiro? – a mulher de cabelos castanho-avermelhados perguntou muito interessada.
- De onde milorde é? – perguntou a outra de cabelos mais curtos e quase pretos.
- De muito longe. – inclinou-se para frente e apoiou os cotovelos sobre a mesa.
- Para elas você responde... – murmurou, cruzando os braços e desviando o rosto, muito emburrada.
- E o menino contrariado é seu aprendiz? – disse a mulher com os longos e lisos cabelos escuros.
- Eu não sou um menino! – levantou-se novamente e gritou contra a mulher.
- Oh. Perdão Milorde. – riu.

Ian levantou-se de sua cadeira e a puxou sem pressa para o lado da princesa, sentando-se novamente.

- “Quieto” ou fica sem comida. – responde calmamente, voltando a apoiar os cotovelos na mesa.
- Por que está fazendo isso comigo? – voltou a se sentar – E vá para onde estava!
- Perdoem a falta de educação de meu aprendiz.
- Eu achei que ele é uma gracinha. – riu a mulher de cabelos mais claros e rosto redondo.

Moira suspirou e deitou a cabeça sobre a mesa, não aguentando mais ser chamada de garoto por eles. Queria continuar discutindo, não podia permitir sair ainda mais humilhada do que já havia sido, entretanto estava bastante cansada e não tinha mais coragem de argumentar.

- Eu gostei muito da cor do seu cabelo. – mais uma mulher se aproximou, tendo também o cabelo escuro, porém mais alta e mais magra que as outras duas – Como o senhor se chama? – Passou os dedos por entre os cabelos dele.
- Ian. – sorriu para a mulher e deixou que continuasse o movimento com os dedos.

Em seus pensamentos, a princesa não conseguia entender como aquelas mulheres agiam tão normalmente com ele mesmo podendo ver o estranho olho vermelho que possuía.

- Que nome pequeno... – deixou sua mão escorregar do cabelo do sujeito até seu ombro – Para um homem tão grande. – dizia maliciosamente, passando a mão do ombro para o peito dele.

Naquele momento uma das mulheres havia até sentado em uma das cadeiras da mesa.

- Não tenho dinheiro para pagar os serviços de vocês. – Ian respondeu com um de seus sorrisos típicos – E estou com ele. – pousou a mão sobre as costas de Moira, que se assustou e deu um pulo da cadeira, ficando de pé e de olhos arregalados.
-Estou vendo... – a mulher se afastou um pouco – Então tenham uma boa refeição. – virou-se e se retirou com uma das outras duas mulheres, sobrando apenas a que havia se sentado.
- O que aconteceu? – Moira voltou a se sentar, não havia percebido que tinha cochilado – Você tocou de novo em mim?
- Um homem com os dentes tão bem cuidados quanto o senhor não tem dinheiro para nossos serviços? – a mulher que havia ficado, de cabelos castanho-avermelhados, perguntou intrigada – Milorde está mentindo, não é?
¬- Eu pareço com um nobre? – apoiou a cabeça sobre o braço com um olhar malicioso sobre a mulher.
- Sim.
- Não! – Moira se intrometeu, falando alto – Como um nobre pode usar essas roupas de baixa qualidade e ter o cabelo bagunçado?! – apontou para a camisa preta e o colete de couro que ele estava usando e em seguida para a cabeça.
- Acalme-se. – Ian segurou, sem delicadeza, a parte de trás do pescoço de Moira, por cima de sua trança – Depois resolvemos isso. – sussurrou em seu ouvido, provocando um arrepio na garota.
- Não me toque! –reagiu negativamente, levantando-se tão rápido da cadeira que a deixou cair e o som da batida chamou ainda mais a atenção dos outros para eles – Chega para mim! –afastou-se da mesa com passos pesados, dirigindo-se rapidamente até a porta.
- Espere. - levantou-se atrás dela e a segurou pelo antebraço.
- Pare! – puxou violentamente o braço, tentando de soltar, mas não conseguiu e começou a se sentir desesperada.
- Fique e coma o que a mulher irá trazer. Depois, se ainda quiser, saia por aí no meio da noite e se perca à vontade. – sentiu o corpo da jovem tremendo.

Moira fitou seus olhos com uma expressão assustada no rosto. A mesma que ela fez quando o duque a segurou forçadamente. O mesmo olhar que naquela ocasião deixou Ian bastante incomodado.

- Perdoe-me por lhe segurar desta forma. – soltou seu braço e voltou para o lugar onde estava sentado.

A pobre e assustada jovem olhou em volta, percebendo que todos tinham a atenção voltada para ela. Aqueles olhares curiosos vindo de pessoas com aparências e expressões que estavam enojando a princesa, estavam deixando-a ainda mais nervosa. Precisava voltar à racionalidade. Respirou fundo e baixou a cabeça, fechando os olhos e se concentrando, tentando se livrar de todo o som produzido por aquelas pessoas. Precisava se acalmar. Só voltou a erguer a cabeça quando se sentiu com coragem e controle o suficiente para encará-los de volta. Sem dizer nada ela retornou a mesa, mas trocou de lugar, ficando distante de Ian.

- Sinto muito incomodá-los. – a mulher que estava conversando com eles retirou-se, parecendo não gostar muito da situação.

Tanto Moira quanto Ian ficaram em silêncio por alguns minutos. A princesa concentrava-se na mesa, tentando engolir todo o sentimento de humilhação que estava experimentando. Já o sujeito estava pensativo, apenas olhando em volta do lugar, sem estar realmente se focando em algo.

Finalmente a mulher que havia os atendido primeiramente voltou com o pedido de Ian. Serviu dois pratos com carne de porco com ervilha e cenoura e canecos de vinho quente.

- Aproveitem senhores. – jogou um sorrisinho para Ian, que nem prestou muita atenção, e foi para outra mesa.
- O que é isso? – Moira finalmente voltou a abrir a boca, olhando para seu prato com desconfiança.
- Comida. – respondeu ríspidamente – Apenas coloque na boca, mastigue e engula. – cortou um pedaço da carne e levou à boca.

A jovem e muito desconfiada princesa pegou sua faca e cortou uma lasca de sua carne, enquanto a encarava com desdém. Levou a boca e mastigou, constatando que não era tão ruim quanto imaginava.

-Acho que posso comer isso... – comeu mais um punhado de ervilhas sem perceber que Ian estava rindo de sua resposta cheia de suspeitas.

Os dois comeram suas refeições em silêncio até termina-las, então o sujeito chamou novamente uma das mulheres que estavam atendendo os clientes e pediu mais vinho pelo menos mais duas vezes.

- Por acaso você vai usar todo esse seu dinheiro em bebida? – Moira perguntou irritada, já parecia ter voltado ao seu humor normal.
- Talvez. – respondeu e bebeu o último gole que havia em sua caneca, chamando novamente uma das mulheres.
- Milorde. – A jovem sorriu para ele, era uma das poucas que tinha olhos azuis, quase como os de Moira – Gostaria de companhia para esta noite?
- Já o tenho. – Apontou para Moira enquanto utilizava-se de mais um de seus vários sorrisos maldosos – Mas eu gostaria de mais vinho.

A jovem garota meneou a cabeça positivamente, mas pareceu chateada ao se afastar.

- Por que essas mulheres reagem mal quando você dá esse tipo de resposta? – cruzou os braços e franziu a testa enquanto encarava-o – E eu agradeceria se você parasse de insinuar que sou um garoto. – bufou.
- Porque acham que eu prefiro homens. – deu uma risada alta e maldosa.
- Oh... – Moira não havia realmente entendido e isto ficava claro na expressão confusa de seu rosto.

A mulher voltou com o caneco de vinho dele e saiu sem dizer nada. Ian acabou de bebê-lo mais rápido que os anteriores e bateu parte inferior do objeto na mesa.

- Foi o último. Vamos. – levantou-se normalmente e foi até o balcão do bar.
- Finalmente vamos embora desse lugar horrível! – Moira exclamou enquanto seguia-o.
- Ainda não. – sorriu e entregou algumas moedas para o homem do outro lado do balcão - E um quarto para esta noite. – dirigiu-se ao senhor que o atendia, um homem de meia idade que usava um bigode grande e negro.
- Um? – olhou para Moira logo atrás dele – O senhor tem certeza?
- Se eu estou pedindo... Sim. Tenho certeza. – lançou um olhar maldoso sobre o homem.
- Pagamento adiantado. – pigarreou nervoso com a expressão do sujeito.

Ian sorriu e entregou-lhe mais algumas moedas.

- Melinda. – O homem de meia idade chamou uma das mulheres que trabalhavam ali – Leve-os até o quarto. – falou alto, apontando para Ian e todos os três homens que estavam sentados em frente ao balcão olharam para os dois.
- Milordes acompanhem-me, por favor. – pegou um lampião que estava sobre uma mesa mais afastada dentro do salão e seguiu por uma porta que levava até uma escada para o segundo andar.
- Vamos passar a noite neste lugar barulhento? – Moira perguntou para Ian, detestando a ideia – Perto destes homens que ficam olhando para mim de uma forma estranha?
- Prefere dormir no chão da floresta de novo?
-... Não. – baixou a cabeça, lembrando-se de o quanto suas costas doíam quando passava a noite dormindo sobre o chão duro.
- Este é o seu quarto. – a mulher, que deveria ter quase quarenta anos meneou a mão livre em direção à porta da qual estava parada em frente e estendeu o braço com que segurava o lampião para o sujeito.
- Obrigado. – Ian agradeceu, recebeu a lamparina e abriu a porta do quarto escuro – Entre. – ergueu a luz para dentro do quarto iluminando-o.

A princesa passou por ele, entrando no recinto e instantaneamente fazendo uma careta. Nunca havia visto um quarto tão pequeno.

- Este quarto só tem lugar para uma pessoa. – gesticulou sua delicada mão em direção à única cama.
- Por esse preço Vossa Alteza não poderia esperar por algo muito maior do que isto. – entrou no quarto e depositou o lampião sobre a mesinha ao lado da cama.
- Eu utilizarei a cama e você pode escolher qualquer outro lugar para dormir. – cruzou os braços.
- Não. – riu – Eu fiquei mais tempo do que você na prisão e antes disso já estava passando as noites na rua graças ao seu noivo. – sentou-se ao pé da cama – Mas esta cama serve para dois. – sorriu – Eu não me importo de dividir com Vossa Alteza.
- Me dê o dinheiro e eu vou agora mesmo arranjar outro quarto para mim!! – gritou, irritada e já rangendo os dentes.
- Não tenho o suficiente para mais um quarto. Foi por esse motivo que eu pedi apenas um. – explicou enquanto removia as botas dos pés.
- Se você não houvesse pedido tantos copos de vinho talvez ainda houvesse! – bateu um dos pés contra o chão de madeira.
- Não faria muita diferença. Aqueles homens eram ladrões. Não eram ricos. – removeu a capa, o arco das costas e o cachecol, jogando-os no chão.
- Então, como filha do rei, irei exigir que me deem um quarto! Ou serão punidos! – virou-se para sair pela porta de onde acabara de entrar.
- Pode ir, só não diga que você é uma garota. Alguns daqueles homens lá embaixo são bem piores do que eu e vão... Reagir de maneira ruim a isso. – desprendeu o cinto da calça junto com as duas espadas que carregava nele e também deixou cair no chão – Por isso é melhor que achem que você é, na verdade, um garoto.
- Isso não faz sentido! Por que algo assim aconteceria? Está cheio de mulheres lá embaixo! – tinha os músculos rígidos por toda a raiva que sentia do que Ian falava e que ela julgava não ter razão alguma.
- Mas nenhuma é tão nova quanto você, nem tem sua delicadeza... – explicava enquanto desamarrava o cordão do colete.
- Não conseguem nem perceber esses seus olhos malignos! – bufou e começou a zanzar pelo pequeno quarto compulsivamente – Não são capazes de ver que não sou um menino! São todos tolos!
- Não é que não percebem meus olhos. Pessoas como eles não teriam motivos para se preocupar com isso... Como alguém como Vossa Alteza se preocupa. – jogou o colete no chão, em cima das outras peças da roupa que já havia tirado e levantou-se da cama – Não conseguem ver que Vossa Alteza é uma garota porque nenhuma de sua idade entraria em um lugar como este. Menos ainda a esta hora da noite.
- O que você está dizendo ainda não explica a razão para eu não dizer o que sou! – parou e bateu mais uma vez o pé no chão, fitando-o com raiva.
- Moira. – aproximou-se e a fitou intensamente – Você é muito mais bonita que qualquer uma delas... E virgem. – sorriu maliciosamente.

A princesa inclinou-se para trás e recuou até que sentiu a parede às suas costas. Se fosse uma ocasião normal ela teria brigado com ele, reclamando por tê-la chamado de forma informal e de ter se aproximado daquele jeito, mas estava assustada com o olhar e sentia o peito apertado. Seu coração acelerou e Moira engoliu em seco, deixando escapar um gemido. Ian mantinha o mesmo olhar intrínseco sobre os olhos de safira da moça. Estava a encurralando de propósito. Queria ver como ela iria reagir e se continuaria bancando a garota forte que tinha argumento para tudo.

Finalmente, depois de vários minutos, Moira reagiu àquele olhar, franziu a testa e correu até a porta, saindo do quarto com muita pressa.

O sujeito deixou um sorriso vitorioso escapar de seus lábios quando já estava sozinho no quarto e voltou-se para a cama, tirando a blusa e se deitando despreocupadamente.



Continua...

Natalie Bear

Semanal

Apenas avisando que por enquanto as atualizações serão apenas uma vez por semana. Provavelmente na terça!
Então deve haver um novo capítulo ainda hoje!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Parte 2

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

Parte 2: Pior Sem Ele


Ian e Moira já estavam caminhando em meio à floresta por pelo menos três horas sem chegar a lugar algum. Naquele trecho as arvores eram mais espaçadas entre si e deixavam que os raios do sol iluminassem a floresta bem melhor.

Mais cedo eles haviam comido uma refeição composta dos peixes que Ian havia pescado. O sabor não era tão adequado ou refinado quanto a comida que Moira estava acostumada a comer, mas naquele momento em que estava faminta já não se importava muito.

- Eu estou cansada de caminhar. – reclamou a princesa que andava a alguns metros de distância do forasteiro – Você não disse nada hoje, voltou a ser mudo? E voltou a fazer essa expressão de estátua?

Ian não a respondeu, apenas seguiu pelo caminho.

- Você não entende! Estou muito preocupada com o Maxwell! – falava alto e gesticulava.

Continuou sem receber resposta alguma dele e o silencio a torturava. Moira sentia que, se ficasse calada, poderia voltar a entrar em pânico. Ela tinha um pavor instintivo de se perder em uma floresta. Algo que ela gostaria de poder controlar, mas nunca fora capaz.

- Afinal o que você pretendia se tornando parte do exército do rei? Você é um espião? E por que aquela mulher de olhos vermelhos queria me matar? – fazia mais e mais perguntas para força-lo a dizer algo - O que eu fiz para ela? Se você é um espião por que se deu ao trabalho de me salvar da explosão? Por que se curvou para mim quando me libertou da prisão? O que você quer? Responda! – gritou ainda mais alto, batendo o pé no chão com força.
- Quero que cale a boca. – respondeu sem se alterar com a jovem e sem parar a caminhada.
- Como você é rude! – esbravejou com irritação, embora estivesse mais aliviada por ter recebido alguma resposta.

Enquanto Moira gesticulava agressivamente para Ian, mesmo sabendo que ele não poderia a ver, sentiu, de repente, algo cobrir rapidamente sua boca e a puxar para trás. Um homem estava a segurando e impedindo que ela falasse. A princesa não conseguia ver quem era, mas estava apavorada. Dois homens se colocaram na frente de Ian quase ao mesmo tempo, forçando-o a parar a caminhada.

- Podem passar tudo o que vocês têm! – disse um deles, que segurava uma longa espada de metal novo.

O forasteiro virou o rosto para trás, vendo que a princesa havia sido pega como refém e tinha uma adaga apontada para a garganta.

- Olha que esquisito os olhos desse aqui! – disse o terceiro homem que estava apontando uma flecha para o peito dele.
Ian fitou os olhos e Moira que suplicavam para que ele reagisse antes que acontecesse algo.
- Está surdo ou quer morrer? – o homem que segurava a espada tinha cabelos negros que caiam sobre a testa e uma grande cicatriz que quase atravessava todo seu rosto.

O sujeito de olhos peculiares deu mais uma olhada na princesa e soltou a bainha da espada do seu cinto.

- A espada é tudo o que eu tenho. – respondeu calmamente.
- Está achando que somos burros? – o ladrão aproximou a espada do pescoço de Ian.
- Talvez ele esteja falando a verdade, olha o estado desses dois... – apontou o homem com o arco, mostrando o quão a dupla estava coberta de barro e com as roupas rasgadas.
 - Cala a boca idiota! – voltou-se para sua vitima – Dê todo o seu dinheiro ou o meu amigo ali fará a vadia sangrar!

Ter sido chamada por aquela palavra a irritou tanto que a jovem princesa, movida pela raiva que atravessou todo seu corpo, mordeu a mão que cobria a sua boca e golpeou as costelas do homem com seu cotovelo, aproveitando que ele, atordoado pela dor, a soltou e correu até seu companheiro de viagem.

- Puta maldita!! – berrou o homem, sacudindo nervosamente a mão que havia sido mordida.

Ian aproveitou a distração que Moira criou e, com um movimento extremamente rápido, cravou as garras metálicas na garganta do homem que empunhava a espada, puxando-o para si e usando-o de escudo para quando o terceiro ladino, por reflexo, lançou sua flecha.

Os dois homens que sobraram estava perplexos com a rapidez de contra-ataque do sujeito de cabelos dourados e por alguns instantes ficaram observando petrificados.

- Mate-os Alan! – a princesa berrou, apontando para o homem com a adaga e sentindo o calor gerado pela emoção tomar conta de seu corpo. Era como se ver seus inimigos caírem diante de si fosse algo muito estimulante e tentador. Exatamente o tipo de poder que ela queria. Um desejo que estava tão escondido dentro de si que Moira nem havia o percebido ainda, mesmo que outra pessoa já houvesse.

O ladrão com o arco tentou atacar mais uma vez, dando vários passos para trás apressadamente enquanto pegava outra flecha da bolsa presa às suas costas, entretanto, antes que conseguisse encaixá-la no arco, o forasteiro pegou a espada do adversário já vencido e enterrou sua lâmina no peito dele.

O sujeito com a adaga entrou em pânico ao ver o quão rápido Ian era e saiu correndo, porém foi facilmente derrubado pelo homem que lhe causava arrepios. Uma flecha disparada do arco do companheiro atravessou seu pescoço e o fez cair. O pobre homem sangrou até a morte. Nunca teve chance alguma.

Moira olhava perplexa para o sujeito que morria afogado no próprio sangue. Sentia-se amedrontada com a visão do homem perdendo lentamente sua vida, porém não conseguia desviar seus olhos. De repente sentiu uma mão apoiar-se em seu ombro e sobressaltou. Ian inclinou-se rapidamente até ter seus lábios muito próximos da orelha da jovem e sussurrou:

- Com prazer, Vossa Alteza.
- O que está fazendo!? – sentiu um arrepio percorrer sua espinha e afastou-se em um salto, irritada.
- Seguindo Vossas ordens. Vossa Alteza pediu que eu os matasse. – olhou para o chão, na direção do primeiro homem que havia matado dentre os três – Me parecem mortos. – sorriu.
- Mas eu também lhe ordenei que não tocasse em mim! – bufou – E por que insistem em usar este tipo de palavreado comigo!? – pousou as mãos sobre a cabeça e inclinou-se para frente – E eles tinham razão! Eu estou imunda e esfarrapada, pareço uma pobre faminta! Parece que não penteio meu cabelo há meses! – reclamava sozinha enquanto seu parceiro de viagem se agachava e revistava os corpos dos homens que haviam acabado de atacá-los – O que está fazendo?
- Compras. – disse seriamente, levantando uma algibeira e produzindo um tilintar bem suave.
- Por favor! Pare de roubar os mortos! – fez uma careta, nauseada pelo ato desrespeitoso dele.
- Eles iam nos roubar. – explicou calmamente, enquanto arrecadava para si as armas dos homens – E não irão mais precisar destes objetos.
- Você é repulsivo! – gritou novamente, muito irritada.
- Continue gritando para chamar mais ladrões. – Virou-se para ela e a fitou maldosamente enquanto guardava os novos pertences adquiridos. – Se estes homens estavam por perto provavelmente estamos próximos a alguma estrada.
- Eles poderiam ter me ferido... – baixou o tom da voz junto com a cabeça.
- Mas agora não podem mais. Vamos. – seguiu pelo caminho em que estava indo anteriormente.

Mesmo cansada da viagem e de tudo o que estava acontecendo, a jovem princesa seguiu-o sem reclamar. Não tinha como escapar da longa viagem.

Depois de quase mais uma hora de caminhada, Ian parou repentinamente, gesticulando para a garota, chamando-a para perto de si.

- O que você está tramando agora? – perguntou desconfiada, se aproximando cautelosamente.
- Encontramos um vilarejo. – sorriu.
- Não é Sempterot. Do que adianta termos encontrado este lugar? – perguntou carrancuda, cruzando os braços.
- Vossa Alteza não queria vestir roupas limpas? – novamente havia malicia em seu sorriso – Podemos conseguir ali.
- Então vamos até lá. Mas também preciso tomar um banho. –adiantou-se, andando à frente de seu companheiro de viagem.

Apesar de pequena, a cidade era bem movimentada. Carroças e cavalos carregando mercadorias, pessoas caminhando pelas ruas, alguns vendedores em suas barracas. Ian encontrou rapidamente a entrada de uma loja pertencente a um alfaiate.

- Olá senhor! – o homem de longa barba grisalha e cabeça lisa olhou para o forasteiro todo sujo com uma expressão perplexa – Boa tarde. – logo viu a jovem que o acompanhava, que estava em um estado tão deplorável quando o homem – Em que posso ajuda-los?
- Roupas. – disse Ian sem delongas – Para a garota também. Masculinas.
- Por que!? – exclamou Moira, revoltada – Você é louco! Recuso-me a vestir roupas de homem!
- Se continuar a viagem com um vestido como este, - apontou para a roupa dela - logo ele também ficará no mesmo estado.
- Vai ser isso mesmo? – perguntou o comerciante.
- Sim. – respondeu enquanto olhava para a princesa, que havia virado o rosto, revoltada com o pedido dele, porém incapaz de discordar.
- Vocês precisam de algo feito sob medida por acaso?
- Não temos tempo para isso. O que encontrar aí para vestirmos está ótimo. – cuidava Moira, que estava do lado de fora, emburrada e observando o movimento na rua, pelo canto do olho.
- Não sei se vou ter algo exatamente do tamanho dela. – o alfaiate procurava por entre várias roupas dobradas em cima de uma prateleira – Provavelmente está é a menor camisa que possuo aqui. – desdobrou uma camisa bege simples e barata.
- Acredito que não tenha problema. – estava com uma expressão severa.

O alfaiate trouxe todas as peças de roupas que ele precisava, uma a uma. Ian o pagou com algumas das moedas que conseguiu com os ladrões e saiu da loja carregando as roupas.

- Terminamos por aqui. – sorriu para Moira, entregando-lhe as peças de roupa que ela iria usar.
- Não estou nem um pouco contente com essa sua liberdade para decidir o que precisamos fazer. – bufou – Você é apenas um serviçal como qualquer outro. Não deveria estar tomando decisões por mim! – lançava um olhar repleto de ódio em sua direção.
- Vossa Alteza... Não se esqueça de que não estamos dentro do seu castelo. – respondeu com um sorriso malicioso.
- É por isso que quando voltarmos para lá você será punido por tudo o que fez para mim!
- Temos apenas poucas horas de luz do dia. – olhava para cima, ignorando completamente o que ela dizia – Será melhor passarmos esta noite no vilarejo.
- Preste atenção no que eu digo!
- Que tal o banho agora? – virou-se para ela com um sorriso, como se Moira não houvesse dito nada.
- Explique-me aonde! – disse rispidamente, já rangendo os dentes de ódio.
- Vem comigo. – começou a locomover-se por entre as pessoas sem esperar pela jovem.

Moira não queria o seguir, mas também não tinha a intensão de ficar para trás e se perder. Não podia se perder dele. Depois de ter de se esgueirar e procurar por Ian entre as pessoas, a princesa finalmente conseguiu o alcançar em uma rua menor que estava vazia.

- Para onde você está indo? – perguntou com muita irritação, enquanto sentia seus pés doendo dentro das botas já estragadas.
- Espere aí. –deu o amontoado de roupas para a princesa segurar mesmo contra a vontade dela e parou atrás de um pequeno templo ali perto que era uma das construções mais altas da cidade.
- Você só está andando por aí sem rumo, não é? – apesar de gritar em revolta havia o obedecido e parado de segui-lo.

O curioso sujeito, sem dar explicação nenhuma, subiu pela parede externa do templo, escalando-o habilmente e utilizando-se das janelas e algumas partes esculpidas com detalhes para apoiar as mãos e os pés. Não levou muito tempo para alcançar uma das torres. Ian a escalou e ficou de pé sobre ela, olhando em volta, parecendo procurar por algo.

As ações dele haviam deixado a princesa perplexa. Por um lado estava sentindo certa admiração pela habilidade de seu companheiro e viagem, mas por outro ainda o odiava com todo seu âmago e admira-lo era algo inaceitável para ela. Porém também estava curiosa com o que o sujeito pretendia ao subir o templo.

- Achei. – mesmo daquela distância Moira podia ver o sorriso sagaz dele – Há um riacho naquela direção. – apontou para o leste.
- Riacho? Está insinuando que eu vou banhar-me em um riacho? – berrou, assustando as poucas pessoas que passavam por perto – É muito frio! Você quer que eu morra congelada!
- Quanto drama. – riu e desceu do templo ainda mais rápido do que subiu, escorregando propositalmente a maior parte do trajeto vertical- Vamos. – passou pela garota e seguiu em direção ao leste.
- Quem você pensa que é para me dar ordens? –havia abaixado o tom de voz, mas ainda estava repleta de ódio enquanto o seguia mais uma vez.

Ian apenas deu uma risada rápida e voltou a ficar quieto.

- Odeio você seu cretino. – murmurou emburrada.

Mais alguns minutos de caminhada e os dois chegaram às margens do riacho, que ficava na entrada de uma floresta densa. O sujeito soltou o pequeno amontoado de roupas sobre a grama e removeu do pescoço primeiro o cachecol desbotado e depois a capa toda rasgada que vestia. Em seguida colocou o arco e uma bolsa de couro, que estava escondida abaixo de sua capa, presa no cinto, ao lado das roupas.

- Pode ir primeiro. – sentou-se no chão e escorou um dos ombros no tronco largo de uma árvore.
- Você está louco se acha que vou me despir e entrar em um riacho ao ar livre. – gesticulava nervosamente enquanto se negava a entrar na água.
- Eu não me importo se Vossa Alteza preferir continuar coberta de lama. – respondia calmamente enquanto esticava os braços se espreguiçando – Vossa Alteza pode entrar na água com o vestido que está usando. –estendeu a mão na direção dela e lhe entregou um objeto branco semitransparente e retangular.
- Um sabonete? – pegou rapidamente da mão dele – Onde conseguiu isso? – examinou.
- Com o alfaiate.

A jovem sabia que a sugestão poderia resolver um de seus problemas, embora ainda tivesse que aguentar a temperatura baixa da água do riacho.

- E seja rápida ou daqui a pouco o sol vai se por e Vossa Alteza vai realmente morrer de frio.

Tudo o que aquele homem dizia era irritante. Ele parecia sempre estar brincando com ela, de alguma forma. Moira bufou algumas vezes antes de resolver ir até a margem do riacho e tomar coragem para enfrentar o frio que a esperava. Sem mais delongas desamarrou o cordão que prendia a grossa capa que vestia e entrou na água- Sentiu o corpo enrijecer com o frio da água, fazendo com que tremesse involuntariamente... Mas a princesa precisava aguentar.

Por mais de quinze minutos Moira suportou a água gelada em seu corpo apenas para conseguir livrar-se de toda a sujeira que havia acumulado desde a prisão até aquele momento e também para deixar seu cabelo o mais limpo que pudesse. Finalmente terminou de lavar-se e saiu correndo da água, ajoelhando-se perto da margem para se recuperar do frio, esperando que o sol a ajudasse.

Sem pressa alguma Ian caminhou até ela e se agachou não muito longe da garota.

- É melhor Vossa Alteza por a roupa nova e seca agora. - Cobriu a cabeça dela com um grande pedaço de tecido de linho – Pode usar isso para se enxugar.
- Saia de perto de mim! – levantou-se rapidamente e se afastou, enquanto enxugava o rosto com a toalha que Ian havia lhe dado.

Ela sentou-se mais afastada e utilizou a toalha para secar primeiramente seu longo e volumoso cabelo. Estava encolhida contra uma árvore e tentando, pelo menos, tirar a água de seu cabelo antes de trocar de roupa e finalmente se livrar de boa parte do frio.

- Vossa Alteza está com o meu sabonete. – Moira ouviu a voz dele e ficou instantaneamente irritada, tirando o tecido de cima da cabeça.
- O q... – a princesa rapidamente percebeu que Ian estava já sem parte da roupa – Dirija-se a mim apenas quando estiver vestido!! – gritou cheia de nervosismo e jogou o sabonete para ele, voltando a cobrir a cabeça com a toalha o mais rápido que pôde.

O homem de cabelos louros apenas riu e se afastou, indo para o riacho.

Apesar de ter passado os olhos muito rapidamente sobre o corpo dele, Moira ainda sim conseguiu enxergar uma grande e curiosa cicatriz que atravessava seu peito transversalmente, entretanto aquela percepção foi algo que logo fugiu de sua mente. Lembrar-se de sua extrema falta de educação ao aparecer daquela forma não era algo que ela gostaria de manter em sua mente.

Quando a jovem acabou de se vestir, não se antes prestar muita atenção ao seu redor para ter certeza de que ninguém estava a observando, percebeu que o sol já estava começando a se por. Sua maior preocupação naquele momento, além do irmão, era como iria passar aquela noite. Seu corpo já estava cansado demais para dormir outra vez sobre o chão duro.  Não sabia o que Ian pretendia, pois jamais estivera em uma cidade – ou vilarejo – antes.

Se Moira passasse mais uma noite dormindo daquela forma seu corpo não aguentaria muito mais.



Continua...

Natalie Bear