terça-feira, 28 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Parte 3

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

Parte 3: Direto ao Ponto





A noite já havia caído sobre a pequena cidadezinha barulhenta já fazia pelo menos uma hora. As ruas já estavam ficando desertas e a temperatura havia baixado muito. A maioria das casas já estava mergulhada na escuridão, apenas algumas poucas residências ainda tinham seu interior iluminado por velas e lamparinas.

- Se isto lhe alegrar... Vossa Alteza está se parecendo muito com seu irmão. – Ian tinha um sorriso malicioso em seus lábios.
- Logo você vai se arrepender por ficar constantemente me insultando assim. – falou baixo, porém cheia de ódio.
- Foi só um elogio. – respondeu cheio de sarcasmo.
- Já é noite. E agora? – mudou de assunto para evitar ficar ainda mais irritada.
- Lembro-me de ter visto alguma hospedaria por aqui. O dinheiro que sobrou deve servir. – adiantou-se na frente da princesa, seguindo para o centro da pequena cidade, seguindo para o local em que a iluminação era mais intensa.
- Estamos perdendo tempo demais... – Moira murmurou, muito aborrecida.
- Aqui está. – Ian parou na frente de uma grande porta fechada que possuía uma placa bastante visível acima.
- Hospedaria, taberna e bordel. – a jovem princesa leu as palavras entalhadas na velha placa e virou-se para seu companheiro de viagem – O que é bordel? – nunca havia lido nem ouvido aquela palavra antes.

Ian riu, percebendo que ela realmente não sabia do que tratava a palavra.

- Por que você não entra e descobre? – esboçava um sorriso pelo canto da boca.
- Por essa sua expressão imagino que eu não vá gostar. – fitou-o com desaprovação no olhar.
- Provavelmente é a única hospedaria daqui. Você não tem escolha. – tinha um sorriso maldoso estampado no rosto – Vamos entrar. – pegou-a pelo braço e a puxou para dentro do local.

Ao contrário do lado de fora, dentro da construção tinha várias pessoas e bastante barulho ecoando em todas as direções. Deveria haver, ao todo, umas vinte pessoas e a maior parte parecia comemorar algo alegremente. Moira passou os olhos rapidamente pelo local sem prestar muita atenção e não encontrou nada de tão estranho assim. Até que uma mulher veio até eles para recepcioná-los.

- Boa noite, cavalheiros. – fitou-os com um sorriso mal-intencionado.
- Cavalheiros...? – Moira balbuciou enquanto olhava para a roupa estranha da moça.

Vestia um corpete muito apertado que lhe dava uma aparência vulgar. Seu vestido tinha uma cor amarela vibrante. Tinha o cabelo castanho preso em um coque, mas parte dele estava solta, revelando os cachos da mulher de olhos muito escuros. Deveria estar na faixa dos trinta anos e não era muito alta.

- Boa noite. – Ian respondeu sem muito interesse enquanto olhava em volta.
- Estão procurando por uma mesa? – a mulher sorriu – Por favor, me acompanhem. – segurou a mão de Ian e o conduziu pelo salão.

Moira não precisou de muito tempo para descobrir o tipo de lugar devasso em que estava. Nunca havia visto algo parecido, mas o modo como as garotas de lá agiam, o jeito seminu com que se vestiam, o modo de falar... Não era certo para ela. A libertinagem estava em todos os cantos.

- Esta mesa está vagas para os senhores. – largou a mão de Ian e fitou seu rosto – O senhor é um estrangeiro? – tinha um olhar intenso sobre ele.
- De fato. – sorriu enquanto sentava-se em uma das cadeiras e fazia sinal para Moira também o fazer.

A jovem obedeceu-o, sentando-se o mais afastado que pode dele, do outro lado da pequena mesa redonda, e fez uma careta emburrada.

- Eu quero sair daqui. – balbuciou e bufou.
- Gostaria que nos servisse de comida e vinho, por favor. – sorriu para a mulher que o atendia e ignorou a princesa.
- Sim senhor. – a mulher correspondeu ao sorriso e retirou-se.
- Eu disse que quero sair daqui! – levantou-se bruscamente e bateu as mãos na mesa, chamando atenção de algumas pessoas à volta.
- Cale a boca e sente se você quiser comer algo. – respondeu de um modo tão rígido que a garota simplesmente o obedeceu por reflexo e arregalou os olhos, perplexa.

Duas outras mulheres, vestidas de forma parecida com a primeira, aproximaram-se da mesa trocando risadinhas uma com a outra.

- Milorde é mesmo um estrangeiro? – a mulher de cabelos castanho-avermelhados perguntou muito interessada.
- De onde milorde é? – perguntou a outra de cabelos mais curtos e quase pretos.
- De muito longe. – inclinou-se para frente e apoiou os cotovelos sobre a mesa.
- Para elas você responde... – murmurou, cruzando os braços e desviando o rosto, muito emburrada.
- E o menino contrariado é seu aprendiz? – disse a mulher com os longos e lisos cabelos escuros.
- Eu não sou um menino! – levantou-se novamente e gritou contra a mulher.
- Oh. Perdão Milorde. – riu.

Ian levantou-se de sua cadeira e a puxou sem pressa para o lado da princesa, sentando-se novamente.

- “Quieto” ou fica sem comida. – responde calmamente, voltando a apoiar os cotovelos na mesa.
- Por que está fazendo isso comigo? – voltou a se sentar – E vá para onde estava!
- Perdoem a falta de educação de meu aprendiz.
- Eu achei que ele é uma gracinha. – riu a mulher de cabelos mais claros e rosto redondo.

Moira suspirou e deitou a cabeça sobre a mesa, não aguentando mais ser chamada de garoto por eles. Queria continuar discutindo, não podia permitir sair ainda mais humilhada do que já havia sido, entretanto estava bastante cansada e não tinha mais coragem de argumentar.

- Eu gostei muito da cor do seu cabelo. – mais uma mulher se aproximou, tendo também o cabelo escuro, porém mais alta e mais magra que as outras duas – Como o senhor se chama? – Passou os dedos por entre os cabelos dele.
- Ian. – sorriu para a mulher e deixou que continuasse o movimento com os dedos.

Em seus pensamentos, a princesa não conseguia entender como aquelas mulheres agiam tão normalmente com ele mesmo podendo ver o estranho olho vermelho que possuía.

- Que nome pequeno... – deixou sua mão escorregar do cabelo do sujeito até seu ombro – Para um homem tão grande. – dizia maliciosamente, passando a mão do ombro para o peito dele.

Naquele momento uma das mulheres havia até sentado em uma das cadeiras da mesa.

- Não tenho dinheiro para pagar os serviços de vocês. – Ian respondeu com um de seus sorrisos típicos – E estou com ele. – pousou a mão sobre as costas de Moira, que se assustou e deu um pulo da cadeira, ficando de pé e de olhos arregalados.
-Estou vendo... – a mulher se afastou um pouco – Então tenham uma boa refeição. – virou-se e se retirou com uma das outras duas mulheres, sobrando apenas a que havia se sentado.
- O que aconteceu? – Moira voltou a se sentar, não havia percebido que tinha cochilado – Você tocou de novo em mim?
- Um homem com os dentes tão bem cuidados quanto o senhor não tem dinheiro para nossos serviços? – a mulher que havia ficado, de cabelos castanho-avermelhados, perguntou intrigada – Milorde está mentindo, não é?
¬- Eu pareço com um nobre? – apoiou a cabeça sobre o braço com um olhar malicioso sobre a mulher.
- Sim.
- Não! – Moira se intrometeu, falando alto – Como um nobre pode usar essas roupas de baixa qualidade e ter o cabelo bagunçado?! – apontou para a camisa preta e o colete de couro que ele estava usando e em seguida para a cabeça.
- Acalme-se. – Ian segurou, sem delicadeza, a parte de trás do pescoço de Moira, por cima de sua trança – Depois resolvemos isso. – sussurrou em seu ouvido, provocando um arrepio na garota.
- Não me toque! –reagiu negativamente, levantando-se tão rápido da cadeira que a deixou cair e o som da batida chamou ainda mais a atenção dos outros para eles – Chega para mim! –afastou-se da mesa com passos pesados, dirigindo-se rapidamente até a porta.
- Espere. - levantou-se atrás dela e a segurou pelo antebraço.
- Pare! – puxou violentamente o braço, tentando de soltar, mas não conseguiu e começou a se sentir desesperada.
- Fique e coma o que a mulher irá trazer. Depois, se ainda quiser, saia por aí no meio da noite e se perca à vontade. – sentiu o corpo da jovem tremendo.

Moira fitou seus olhos com uma expressão assustada no rosto. A mesma que ela fez quando o duque a segurou forçadamente. O mesmo olhar que naquela ocasião deixou Ian bastante incomodado.

- Perdoe-me por lhe segurar desta forma. – soltou seu braço e voltou para o lugar onde estava sentado.

A pobre e assustada jovem olhou em volta, percebendo que todos tinham a atenção voltada para ela. Aqueles olhares curiosos vindo de pessoas com aparências e expressões que estavam enojando a princesa, estavam deixando-a ainda mais nervosa. Precisava voltar à racionalidade. Respirou fundo e baixou a cabeça, fechando os olhos e se concentrando, tentando se livrar de todo o som produzido por aquelas pessoas. Precisava se acalmar. Só voltou a erguer a cabeça quando se sentiu com coragem e controle o suficiente para encará-los de volta. Sem dizer nada ela retornou a mesa, mas trocou de lugar, ficando distante de Ian.

- Sinto muito incomodá-los. – a mulher que estava conversando com eles retirou-se, parecendo não gostar muito da situação.

Tanto Moira quanto Ian ficaram em silêncio por alguns minutos. A princesa concentrava-se na mesa, tentando engolir todo o sentimento de humilhação que estava experimentando. Já o sujeito estava pensativo, apenas olhando em volta do lugar, sem estar realmente se focando em algo.

Finalmente a mulher que havia os atendido primeiramente voltou com o pedido de Ian. Serviu dois pratos com carne de porco com ervilha e cenoura e canecos de vinho quente.

- Aproveitem senhores. – jogou um sorrisinho para Ian, que nem prestou muita atenção, e foi para outra mesa.
- O que é isso? – Moira finalmente voltou a abrir a boca, olhando para seu prato com desconfiança.
- Comida. – respondeu ríspidamente – Apenas coloque na boca, mastigue e engula. – cortou um pedaço da carne e levou à boca.

A jovem e muito desconfiada princesa pegou sua faca e cortou uma lasca de sua carne, enquanto a encarava com desdém. Levou a boca e mastigou, constatando que não era tão ruim quanto imaginava.

-Acho que posso comer isso... – comeu mais um punhado de ervilhas sem perceber que Ian estava rindo de sua resposta cheia de suspeitas.

Os dois comeram suas refeições em silêncio até termina-las, então o sujeito chamou novamente uma das mulheres que estavam atendendo os clientes e pediu mais vinho pelo menos mais duas vezes.

- Por acaso você vai usar todo esse seu dinheiro em bebida? – Moira perguntou irritada, já parecia ter voltado ao seu humor normal.
- Talvez. – respondeu e bebeu o último gole que havia em sua caneca, chamando novamente uma das mulheres.
- Milorde. – A jovem sorriu para ele, era uma das poucas que tinha olhos azuis, quase como os de Moira – Gostaria de companhia para esta noite?
- Já o tenho. – Apontou para Moira enquanto utilizava-se de mais um de seus vários sorrisos maldosos – Mas eu gostaria de mais vinho.

A jovem garota meneou a cabeça positivamente, mas pareceu chateada ao se afastar.

- Por que essas mulheres reagem mal quando você dá esse tipo de resposta? – cruzou os braços e franziu a testa enquanto encarava-o – E eu agradeceria se você parasse de insinuar que sou um garoto. – bufou.
- Porque acham que eu prefiro homens. – deu uma risada alta e maldosa.
- Oh... – Moira não havia realmente entendido e isto ficava claro na expressão confusa de seu rosto.

A mulher voltou com o caneco de vinho dele e saiu sem dizer nada. Ian acabou de bebê-lo mais rápido que os anteriores e bateu parte inferior do objeto na mesa.

- Foi o último. Vamos. – levantou-se normalmente e foi até o balcão do bar.
- Finalmente vamos embora desse lugar horrível! – Moira exclamou enquanto seguia-o.
- Ainda não. – sorriu e entregou algumas moedas para o homem do outro lado do balcão - E um quarto para esta noite. – dirigiu-se ao senhor que o atendia, um homem de meia idade que usava um bigode grande e negro.
- Um? – olhou para Moira logo atrás dele – O senhor tem certeza?
- Se eu estou pedindo... Sim. Tenho certeza. – lançou um olhar maldoso sobre o homem.
- Pagamento adiantado. – pigarreou nervoso com a expressão do sujeito.

Ian sorriu e entregou-lhe mais algumas moedas.

- Melinda. – O homem de meia idade chamou uma das mulheres que trabalhavam ali – Leve-os até o quarto. – falou alto, apontando para Ian e todos os três homens que estavam sentados em frente ao balcão olharam para os dois.
- Milordes acompanhem-me, por favor. – pegou um lampião que estava sobre uma mesa mais afastada dentro do salão e seguiu por uma porta que levava até uma escada para o segundo andar.
- Vamos passar a noite neste lugar barulhento? – Moira perguntou para Ian, detestando a ideia – Perto destes homens que ficam olhando para mim de uma forma estranha?
- Prefere dormir no chão da floresta de novo?
-... Não. – baixou a cabeça, lembrando-se de o quanto suas costas doíam quando passava a noite dormindo sobre o chão duro.
- Este é o seu quarto. – a mulher, que deveria ter quase quarenta anos meneou a mão livre em direção à porta da qual estava parada em frente e estendeu o braço com que segurava o lampião para o sujeito.
- Obrigado. – Ian agradeceu, recebeu a lamparina e abriu a porta do quarto escuro – Entre. – ergueu a luz para dentro do quarto iluminando-o.

A princesa passou por ele, entrando no recinto e instantaneamente fazendo uma careta. Nunca havia visto um quarto tão pequeno.

- Este quarto só tem lugar para uma pessoa. – gesticulou sua delicada mão em direção à única cama.
- Por esse preço Vossa Alteza não poderia esperar por algo muito maior do que isto. – entrou no quarto e depositou o lampião sobre a mesinha ao lado da cama.
- Eu utilizarei a cama e você pode escolher qualquer outro lugar para dormir. – cruzou os braços.
- Não. – riu – Eu fiquei mais tempo do que você na prisão e antes disso já estava passando as noites na rua graças ao seu noivo. – sentou-se ao pé da cama – Mas esta cama serve para dois. – sorriu – Eu não me importo de dividir com Vossa Alteza.
- Me dê o dinheiro e eu vou agora mesmo arranjar outro quarto para mim!! – gritou, irritada e já rangendo os dentes.
- Não tenho o suficiente para mais um quarto. Foi por esse motivo que eu pedi apenas um. – explicou enquanto removia as botas dos pés.
- Se você não houvesse pedido tantos copos de vinho talvez ainda houvesse! – bateu um dos pés contra o chão de madeira.
- Não faria muita diferença. Aqueles homens eram ladrões. Não eram ricos. – removeu a capa, o arco das costas e o cachecol, jogando-os no chão.
- Então, como filha do rei, irei exigir que me deem um quarto! Ou serão punidos! – virou-se para sair pela porta de onde acabara de entrar.
- Pode ir, só não diga que você é uma garota. Alguns daqueles homens lá embaixo são bem piores do que eu e vão... Reagir de maneira ruim a isso. – desprendeu o cinto da calça junto com as duas espadas que carregava nele e também deixou cair no chão – Por isso é melhor que achem que você é, na verdade, um garoto.
- Isso não faz sentido! Por que algo assim aconteceria? Está cheio de mulheres lá embaixo! – tinha os músculos rígidos por toda a raiva que sentia do que Ian falava e que ela julgava não ter razão alguma.
- Mas nenhuma é tão nova quanto você, nem tem sua delicadeza... – explicava enquanto desamarrava o cordão do colete.
- Não conseguem nem perceber esses seus olhos malignos! – bufou e começou a zanzar pelo pequeno quarto compulsivamente – Não são capazes de ver que não sou um menino! São todos tolos!
- Não é que não percebem meus olhos. Pessoas como eles não teriam motivos para se preocupar com isso... Como alguém como Vossa Alteza se preocupa. – jogou o colete no chão, em cima das outras peças da roupa que já havia tirado e levantou-se da cama – Não conseguem ver que Vossa Alteza é uma garota porque nenhuma de sua idade entraria em um lugar como este. Menos ainda a esta hora da noite.
- O que você está dizendo ainda não explica a razão para eu não dizer o que sou! – parou e bateu mais uma vez o pé no chão, fitando-o com raiva.
- Moira. – aproximou-se e a fitou intensamente – Você é muito mais bonita que qualquer uma delas... E virgem. – sorriu maliciosamente.

A princesa inclinou-se para trás e recuou até que sentiu a parede às suas costas. Se fosse uma ocasião normal ela teria brigado com ele, reclamando por tê-la chamado de forma informal e de ter se aproximado daquele jeito, mas estava assustada com o olhar e sentia o peito apertado. Seu coração acelerou e Moira engoliu em seco, deixando escapar um gemido. Ian mantinha o mesmo olhar intrínseco sobre os olhos de safira da moça. Estava a encurralando de propósito. Queria ver como ela iria reagir e se continuaria bancando a garota forte que tinha argumento para tudo.

Finalmente, depois de vários minutos, Moira reagiu àquele olhar, franziu a testa e correu até a porta, saindo do quarto com muita pressa.

O sujeito deixou um sorriso vitorioso escapar de seus lábios quando já estava sozinho no quarto e voltou-se para a cama, tirando a blusa e se deitando despreocupadamente.



Continua...

Natalie Bear

Semanal

Apenas avisando que por enquanto as atualizações serão apenas uma vez por semana. Provavelmente na terça!
Então deve haver um novo capítulo ainda hoje!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Parte 2

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

Parte 2: Pior Sem Ele


Ian e Moira já estavam caminhando em meio à floresta por pelo menos três horas sem chegar a lugar algum. Naquele trecho as arvores eram mais espaçadas entre si e deixavam que os raios do sol iluminassem a floresta bem melhor.

Mais cedo eles haviam comido uma refeição composta dos peixes que Ian havia pescado. O sabor não era tão adequado ou refinado quanto a comida que Moira estava acostumada a comer, mas naquele momento em que estava faminta já não se importava muito.

- Eu estou cansada de caminhar. – reclamou a princesa que andava a alguns metros de distância do forasteiro – Você não disse nada hoje, voltou a ser mudo? E voltou a fazer essa expressão de estátua?

Ian não a respondeu, apenas seguiu pelo caminho.

- Você não entende! Estou muito preocupada com o Maxwell! – falava alto e gesticulava.

Continuou sem receber resposta alguma dele e o silencio a torturava. Moira sentia que, se ficasse calada, poderia voltar a entrar em pânico. Ela tinha um pavor instintivo de se perder em uma floresta. Algo que ela gostaria de poder controlar, mas nunca fora capaz.

- Afinal o que você pretendia se tornando parte do exército do rei? Você é um espião? E por que aquela mulher de olhos vermelhos queria me matar? – fazia mais e mais perguntas para força-lo a dizer algo - O que eu fiz para ela? Se você é um espião por que se deu ao trabalho de me salvar da explosão? Por que se curvou para mim quando me libertou da prisão? O que você quer? Responda! – gritou ainda mais alto, batendo o pé no chão com força.
- Quero que cale a boca. – respondeu sem se alterar com a jovem e sem parar a caminhada.
- Como você é rude! – esbravejou com irritação, embora estivesse mais aliviada por ter recebido alguma resposta.

Enquanto Moira gesticulava agressivamente para Ian, mesmo sabendo que ele não poderia a ver, sentiu, de repente, algo cobrir rapidamente sua boca e a puxar para trás. Um homem estava a segurando e impedindo que ela falasse. A princesa não conseguia ver quem era, mas estava apavorada. Dois homens se colocaram na frente de Ian quase ao mesmo tempo, forçando-o a parar a caminhada.

- Podem passar tudo o que vocês têm! – disse um deles, que segurava uma longa espada de metal novo.

O forasteiro virou o rosto para trás, vendo que a princesa havia sido pega como refém e tinha uma adaga apontada para a garganta.

- Olha que esquisito os olhos desse aqui! – disse o terceiro homem que estava apontando uma flecha para o peito dele.
Ian fitou os olhos e Moira que suplicavam para que ele reagisse antes que acontecesse algo.
- Está surdo ou quer morrer? – o homem que segurava a espada tinha cabelos negros que caiam sobre a testa e uma grande cicatriz que quase atravessava todo seu rosto.

O sujeito de olhos peculiares deu mais uma olhada na princesa e soltou a bainha da espada do seu cinto.

- A espada é tudo o que eu tenho. – respondeu calmamente.
- Está achando que somos burros? – o ladrão aproximou a espada do pescoço de Ian.
- Talvez ele esteja falando a verdade, olha o estado desses dois... – apontou o homem com o arco, mostrando o quão a dupla estava coberta de barro e com as roupas rasgadas.
 - Cala a boca idiota! – voltou-se para sua vitima – Dê todo o seu dinheiro ou o meu amigo ali fará a vadia sangrar!

Ter sido chamada por aquela palavra a irritou tanto que a jovem princesa, movida pela raiva que atravessou todo seu corpo, mordeu a mão que cobria a sua boca e golpeou as costelas do homem com seu cotovelo, aproveitando que ele, atordoado pela dor, a soltou e correu até seu companheiro de viagem.

- Puta maldita!! – berrou o homem, sacudindo nervosamente a mão que havia sido mordida.

Ian aproveitou a distração que Moira criou e, com um movimento extremamente rápido, cravou as garras metálicas na garganta do homem que empunhava a espada, puxando-o para si e usando-o de escudo para quando o terceiro ladino, por reflexo, lançou sua flecha.

Os dois homens que sobraram estava perplexos com a rapidez de contra-ataque do sujeito de cabelos dourados e por alguns instantes ficaram observando petrificados.

- Mate-os Alan! – a princesa berrou, apontando para o homem com a adaga e sentindo o calor gerado pela emoção tomar conta de seu corpo. Era como se ver seus inimigos caírem diante de si fosse algo muito estimulante e tentador. Exatamente o tipo de poder que ela queria. Um desejo que estava tão escondido dentro de si que Moira nem havia o percebido ainda, mesmo que outra pessoa já houvesse.

O ladrão com o arco tentou atacar mais uma vez, dando vários passos para trás apressadamente enquanto pegava outra flecha da bolsa presa às suas costas, entretanto, antes que conseguisse encaixá-la no arco, o forasteiro pegou a espada do adversário já vencido e enterrou sua lâmina no peito dele.

O sujeito com a adaga entrou em pânico ao ver o quão rápido Ian era e saiu correndo, porém foi facilmente derrubado pelo homem que lhe causava arrepios. Uma flecha disparada do arco do companheiro atravessou seu pescoço e o fez cair. O pobre homem sangrou até a morte. Nunca teve chance alguma.

Moira olhava perplexa para o sujeito que morria afogado no próprio sangue. Sentia-se amedrontada com a visão do homem perdendo lentamente sua vida, porém não conseguia desviar seus olhos. De repente sentiu uma mão apoiar-se em seu ombro e sobressaltou. Ian inclinou-se rapidamente até ter seus lábios muito próximos da orelha da jovem e sussurrou:

- Com prazer, Vossa Alteza.
- O que está fazendo!? – sentiu um arrepio percorrer sua espinha e afastou-se em um salto, irritada.
- Seguindo Vossas ordens. Vossa Alteza pediu que eu os matasse. – olhou para o chão, na direção do primeiro homem que havia matado dentre os três – Me parecem mortos. – sorriu.
- Mas eu também lhe ordenei que não tocasse em mim! – bufou – E por que insistem em usar este tipo de palavreado comigo!? – pousou as mãos sobre a cabeça e inclinou-se para frente – E eles tinham razão! Eu estou imunda e esfarrapada, pareço uma pobre faminta! Parece que não penteio meu cabelo há meses! – reclamava sozinha enquanto seu parceiro de viagem se agachava e revistava os corpos dos homens que haviam acabado de atacá-los – O que está fazendo?
- Compras. – disse seriamente, levantando uma algibeira e produzindo um tilintar bem suave.
- Por favor! Pare de roubar os mortos! – fez uma careta, nauseada pelo ato desrespeitoso dele.
- Eles iam nos roubar. – explicou calmamente, enquanto arrecadava para si as armas dos homens – E não irão mais precisar destes objetos.
- Você é repulsivo! – gritou novamente, muito irritada.
- Continue gritando para chamar mais ladrões. – Virou-se para ela e a fitou maldosamente enquanto guardava os novos pertences adquiridos. – Se estes homens estavam por perto provavelmente estamos próximos a alguma estrada.
- Eles poderiam ter me ferido... – baixou o tom da voz junto com a cabeça.
- Mas agora não podem mais. Vamos. – seguiu pelo caminho em que estava indo anteriormente.

Mesmo cansada da viagem e de tudo o que estava acontecendo, a jovem princesa seguiu-o sem reclamar. Não tinha como escapar da longa viagem.

Depois de quase mais uma hora de caminhada, Ian parou repentinamente, gesticulando para a garota, chamando-a para perto de si.

- O que você está tramando agora? – perguntou desconfiada, se aproximando cautelosamente.
- Encontramos um vilarejo. – sorriu.
- Não é Sempterot. Do que adianta termos encontrado este lugar? – perguntou carrancuda, cruzando os braços.
- Vossa Alteza não queria vestir roupas limpas? – novamente havia malicia em seu sorriso – Podemos conseguir ali.
- Então vamos até lá. Mas também preciso tomar um banho. –adiantou-se, andando à frente de seu companheiro de viagem.

Apesar de pequena, a cidade era bem movimentada. Carroças e cavalos carregando mercadorias, pessoas caminhando pelas ruas, alguns vendedores em suas barracas. Ian encontrou rapidamente a entrada de uma loja pertencente a um alfaiate.

- Olá senhor! – o homem de longa barba grisalha e cabeça lisa olhou para o forasteiro todo sujo com uma expressão perplexa – Boa tarde. – logo viu a jovem que o acompanhava, que estava em um estado tão deplorável quando o homem – Em que posso ajuda-los?
- Roupas. – disse Ian sem delongas – Para a garota também. Masculinas.
- Por que!? – exclamou Moira, revoltada – Você é louco! Recuso-me a vestir roupas de homem!
- Se continuar a viagem com um vestido como este, - apontou para a roupa dela - logo ele também ficará no mesmo estado.
- Vai ser isso mesmo? – perguntou o comerciante.
- Sim. – respondeu enquanto olhava para a princesa, que havia virado o rosto, revoltada com o pedido dele, porém incapaz de discordar.
- Vocês precisam de algo feito sob medida por acaso?
- Não temos tempo para isso. O que encontrar aí para vestirmos está ótimo. – cuidava Moira, que estava do lado de fora, emburrada e observando o movimento na rua, pelo canto do olho.
- Não sei se vou ter algo exatamente do tamanho dela. – o alfaiate procurava por entre várias roupas dobradas em cima de uma prateleira – Provavelmente está é a menor camisa que possuo aqui. – desdobrou uma camisa bege simples e barata.
- Acredito que não tenha problema. – estava com uma expressão severa.

O alfaiate trouxe todas as peças de roupas que ele precisava, uma a uma. Ian o pagou com algumas das moedas que conseguiu com os ladrões e saiu da loja carregando as roupas.

- Terminamos por aqui. – sorriu para Moira, entregando-lhe as peças de roupa que ela iria usar.
- Não estou nem um pouco contente com essa sua liberdade para decidir o que precisamos fazer. – bufou – Você é apenas um serviçal como qualquer outro. Não deveria estar tomando decisões por mim! – lançava um olhar repleto de ódio em sua direção.
- Vossa Alteza... Não se esqueça de que não estamos dentro do seu castelo. – respondeu com um sorriso malicioso.
- É por isso que quando voltarmos para lá você será punido por tudo o que fez para mim!
- Temos apenas poucas horas de luz do dia. – olhava para cima, ignorando completamente o que ela dizia – Será melhor passarmos esta noite no vilarejo.
- Preste atenção no que eu digo!
- Que tal o banho agora? – virou-se para ela com um sorriso, como se Moira não houvesse dito nada.
- Explique-me aonde! – disse rispidamente, já rangendo os dentes de ódio.
- Vem comigo. – começou a locomover-se por entre as pessoas sem esperar pela jovem.

Moira não queria o seguir, mas também não tinha a intensão de ficar para trás e se perder. Não podia se perder dele. Depois de ter de se esgueirar e procurar por Ian entre as pessoas, a princesa finalmente conseguiu o alcançar em uma rua menor que estava vazia.

- Para onde você está indo? – perguntou com muita irritação, enquanto sentia seus pés doendo dentro das botas já estragadas.
- Espere aí. –deu o amontoado de roupas para a princesa segurar mesmo contra a vontade dela e parou atrás de um pequeno templo ali perto que era uma das construções mais altas da cidade.
- Você só está andando por aí sem rumo, não é? – apesar de gritar em revolta havia o obedecido e parado de segui-lo.

O curioso sujeito, sem dar explicação nenhuma, subiu pela parede externa do templo, escalando-o habilmente e utilizando-se das janelas e algumas partes esculpidas com detalhes para apoiar as mãos e os pés. Não levou muito tempo para alcançar uma das torres. Ian a escalou e ficou de pé sobre ela, olhando em volta, parecendo procurar por algo.

As ações dele haviam deixado a princesa perplexa. Por um lado estava sentindo certa admiração pela habilidade de seu companheiro e viagem, mas por outro ainda o odiava com todo seu âmago e admira-lo era algo inaceitável para ela. Porém também estava curiosa com o que o sujeito pretendia ao subir o templo.

- Achei. – mesmo daquela distância Moira podia ver o sorriso sagaz dele – Há um riacho naquela direção. – apontou para o leste.
- Riacho? Está insinuando que eu vou banhar-me em um riacho? – berrou, assustando as poucas pessoas que passavam por perto – É muito frio! Você quer que eu morra congelada!
- Quanto drama. – riu e desceu do templo ainda mais rápido do que subiu, escorregando propositalmente a maior parte do trajeto vertical- Vamos. – passou pela garota e seguiu em direção ao leste.
- Quem você pensa que é para me dar ordens? –havia abaixado o tom de voz, mas ainda estava repleta de ódio enquanto o seguia mais uma vez.

Ian apenas deu uma risada rápida e voltou a ficar quieto.

- Odeio você seu cretino. – murmurou emburrada.

Mais alguns minutos de caminhada e os dois chegaram às margens do riacho, que ficava na entrada de uma floresta densa. O sujeito soltou o pequeno amontoado de roupas sobre a grama e removeu do pescoço primeiro o cachecol desbotado e depois a capa toda rasgada que vestia. Em seguida colocou o arco e uma bolsa de couro, que estava escondida abaixo de sua capa, presa no cinto, ao lado das roupas.

- Pode ir primeiro. – sentou-se no chão e escorou um dos ombros no tronco largo de uma árvore.
- Você está louco se acha que vou me despir e entrar em um riacho ao ar livre. – gesticulava nervosamente enquanto se negava a entrar na água.
- Eu não me importo se Vossa Alteza preferir continuar coberta de lama. – respondia calmamente enquanto esticava os braços se espreguiçando – Vossa Alteza pode entrar na água com o vestido que está usando. –estendeu a mão na direção dela e lhe entregou um objeto branco semitransparente e retangular.
- Um sabonete? – pegou rapidamente da mão dele – Onde conseguiu isso? – examinou.
- Com o alfaiate.

A jovem sabia que a sugestão poderia resolver um de seus problemas, embora ainda tivesse que aguentar a temperatura baixa da água do riacho.

- E seja rápida ou daqui a pouco o sol vai se por e Vossa Alteza vai realmente morrer de frio.

Tudo o que aquele homem dizia era irritante. Ele parecia sempre estar brincando com ela, de alguma forma. Moira bufou algumas vezes antes de resolver ir até a margem do riacho e tomar coragem para enfrentar o frio que a esperava. Sem mais delongas desamarrou o cordão que prendia a grossa capa que vestia e entrou na água- Sentiu o corpo enrijecer com o frio da água, fazendo com que tremesse involuntariamente... Mas a princesa precisava aguentar.

Por mais de quinze minutos Moira suportou a água gelada em seu corpo apenas para conseguir livrar-se de toda a sujeira que havia acumulado desde a prisão até aquele momento e também para deixar seu cabelo o mais limpo que pudesse. Finalmente terminou de lavar-se e saiu correndo da água, ajoelhando-se perto da margem para se recuperar do frio, esperando que o sol a ajudasse.

Sem pressa alguma Ian caminhou até ela e se agachou não muito longe da garota.

- É melhor Vossa Alteza por a roupa nova e seca agora. - Cobriu a cabeça dela com um grande pedaço de tecido de linho – Pode usar isso para se enxugar.
- Saia de perto de mim! – levantou-se rapidamente e se afastou, enquanto enxugava o rosto com a toalha que Ian havia lhe dado.

Ela sentou-se mais afastada e utilizou a toalha para secar primeiramente seu longo e volumoso cabelo. Estava encolhida contra uma árvore e tentando, pelo menos, tirar a água de seu cabelo antes de trocar de roupa e finalmente se livrar de boa parte do frio.

- Vossa Alteza está com o meu sabonete. – Moira ouviu a voz dele e ficou instantaneamente irritada, tirando o tecido de cima da cabeça.
- O q... – a princesa rapidamente percebeu que Ian estava já sem parte da roupa – Dirija-se a mim apenas quando estiver vestido!! – gritou cheia de nervosismo e jogou o sabonete para ele, voltando a cobrir a cabeça com a toalha o mais rápido que pôde.

O homem de cabelos louros apenas riu e se afastou, indo para o riacho.

Apesar de ter passado os olhos muito rapidamente sobre o corpo dele, Moira ainda sim conseguiu enxergar uma grande e curiosa cicatriz que atravessava seu peito transversalmente, entretanto aquela percepção foi algo que logo fugiu de sua mente. Lembrar-se de sua extrema falta de educação ao aparecer daquela forma não era algo que ela gostaria de manter em sua mente.

Quando a jovem acabou de se vestir, não se antes prestar muita atenção ao seu redor para ter certeza de que ninguém estava a observando, percebeu que o sol já estava começando a se por. Sua maior preocupação naquele momento, além do irmão, era como iria passar aquela noite. Seu corpo já estava cansado demais para dormir outra vez sobre o chão duro.  Não sabia o que Ian pretendia, pois jamais estivera em uma cidade – ou vilarejo – antes.

Se Moira passasse mais uma noite dormindo daquela forma seu corpo não aguentaria muito mais.



Continua...

Natalie Bear

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Parte 1

Capítulo 7: Longo Caminho para Casa

Parte 1: Quebrando o Silêncio




Mais uma vez Moira acordava no meio da floresta, sem saber direito o que havia acontecido. Sentia seu corpo todo dolorido e pegajoso. Ela sentou-se no chão, colocando a mão direita sobre a cabeça e olhando em volta para tentar lembrar-se do que havia acontecido. O que primeiramente chamou sua atenção foi o brilho da fogueira que estava ao seu lado, fazendo com que se lembrasse de ter visto uma grande explosão, mas ainda não recordava o que havia a causado. Também percebeu que, por entre as estreitas aberturas entre as árvores, o céu parecia estar escurecendo, o sol deveria estar se pondo. Mas o que realmente a pegou de surpresa foi encontrar Alan, a mais de um metro de distância do outro lado da fogueira. Estava deitado no chão, parecia dormir profundamente.

Pela segunda vez o encontrava ao acordar em meio ao mato e as árvores. E a situação lhe trouxe uma sensação estranha, mas familiar. Um aperto no peito. A floresta escurecendo lhe trazia fantasmas do passado, os quais Moira lutava para que fossem embora imediatamente, antes que ela perdesse o controle mais uma vez. Cerrou os olhos e segurou a cabeça com as mãos, forçando-se a se concentrar em algo que a fizesse esquecer. Foi então que lembrou o que havia acontecido. A mulher assustadora que os atacou, a explosão, a queda, e o mais importante, a princesa não sabia onde seu irmão estava, nem se estava ferido. Recuperar a memória do acontecimento recente a desesperou.

Rapidamente Moira procurou o lugar de onde haviam vindo. Lembrava que tinham rolado por uma longa rampa e então a buscou à sua volta desesperadamente, mas não tinha nada que se parecesse com uma até onde conseguia ver. Ela levantou-se com muita pressa e segurou as mãos contra o peito, forçando-as a pararem de tremer. Sentiu um dos joelhos doerem quando ficou de pé, mas naquele momento preferiu ignorar a dor e ir até Alan.

- Por favor... – sussurrou enquanto se ajoelhava, sentindo o joelho doer mais uma vez e deixando escapar um gemido.

O som que ela fez sem querer acabou por acordá-lo. Alan virou o corpo parcialmente e fitou o rosto dela.

- Tenho que achar o Maxwell!- falava alto e rápido demais, era difícil entender o que dizia, parecia muito transtornada – Por favor, me diga qual o caminho! – continuava segurando as mãos contra o peito, mas todo seu corpo já estava tremulando e sua respiração era curta.

O forasteiro sentou-se em frente à princesa notando sua pele que normalmente já era pálida, ainda mais branca. Ela também estava encolhida, parecendo um animal acuado. O sujeito tentou tocar sua pele para saber qual era a temperatura do corpo, mas Moira encolheu-se ainda mais, se arrastando para trás e assim sentindo o joelho doer outra vez. Alan deu um suspiro e colocou-se de pé, dando as costas para ela e olhando em volta, percebendo que estava ficando escuro.

 - Ei! Você não vai fazer nada? – levantou-se cuidadosamente, a tremedeira parecia estar mais fraca – Você era o guarda do Maxwell! Era ele quem você tinha que proteger! – Alan pôde perceber que os olhos dela enchiam-se de lágrimas – Agora ele pode estar ferido e você nem se importa! – apontou para ele, trocando todo seu pânico por ira – Eu deveria ter tentado convencer meu pai a lhe expulsar! A culpa de tudo isso é sua! Você que deve ter trazido aquela mulher de olhos vermelhos! – as lágrimas escorreram por seu rosto enquanto ela cerrava os dentes com força – Você e ela são iguais! Assassinos! Você não seria mesmo capaz de importar-se com o Maxwell!!! – gritava e gesticulava nervosamente.

Ele a fitou com o seu olhar ameaçador que era capaz de deixar qualquer um incomodado, mas parecia nunca ter funcionado muito bem com ela.

- Pare de olhar para mim assim!! – já não estava tão pálida - Quantas vezes terei de dizer que deve olhar para o chão quando eu estiver falando com você!? – depois de passa-lo a ordem enxugou os olhos com as mangas, finalmente percebendo o quão sujas e esfarrapadas estavam.

Alan finalmente deu outro suspiro e, em vez de obedecê-la, simplesmente voltou a se deitar sobre o chão, perto da fogueira, ignorando-a completamente e ficando de costas para a jovem.

- Eu sabia! – falou ainda mais alto – Não tinha como alguém como você se importar com ninguém! Afinal para que você se infiltrou no castelo? – passou pelo lado da fogueira até ficar novamente de frente para ele, muito indignada com sua falta de respeito – Provavelmente nem mudo você realmente é!

A frase final de Moira pareceu provocar uma risada no sujeito que voltou a se levantar e a fita-la mais uma vez.

- Vai zombar de mim também? E continua me encarando assim?? – segurou-o pelo cachecol, forçando-o a se curvar um pouco para frente, pois detestava falar com ele tendo de olhar para cima.
- Mais uma vez está certa. Vossa Alteza. – deu um sorriso maldoso e agarrou a mão da princesa que segurava seu cachecol.

O coração da garota acelerou de novo e sentiu o frio subindo pela espinha. Instintivamente ela acabou encolhendo-se e soltando o tecido do pescoço dele, só que Alan não havia largado sua mão. A voz dele era imponente, porém melodiosa e agradável, mas possuía um estranho sotaque que a princesa jamais havia ouvido antes. Algumas vogais das palavras eram entonadas de uma forma que as deixava levemente salientadas. Era a mesma voz do sonho de Moira.

- E agora que já está feliz por sua nova descoberta, por favor, cale-se. – libertou o braço da princesa e se afastou.

Moira ficou em silêncio, paralisada com a fala do sujeito, mas principalmente por sua voz ser exatamente igual ao sonho. Acabou precisando de alguns minutos para recompor seus pensamentos. Quando finalmente conseguiu se recuperar, Alan já estava sentado de frente para a fogueira, novamente quieto.

- N-não foi um sonho, não é verdade? – perguntou, o tom de voz estava bem baixo desta vez.
- Na noite em que tentou fugir do seu noivo? Hm...  –fez uma irônica expressão pensativa sem tirar os olhos da fogueira – Não.
- Você... – cerrou os pulsos com força, sentindo muito ódio pelo homem em sua frente – Você brincou com o rei. Você brincou comigo! – voltou a gritar – Enganou a todos fingindo não poder falar!! – sentia uma grande vontade de liberar toda sua fúria, mas tentava se controlar, já havia feito escândalo demais para alguém da realeza como ela era.
- Não exatamente. Eu tinha um motivo. – fitou-a novamente - Que Vossa Alteza inutilizou.
- Qual motivo? – fez a pergunta com os dentes cerrados, o que fez com que sua voz saísse fraca mais uma vez.
- Vossa Alteza não entenderia. – voltou a ficar sério.
- Está insinuando que sou ignorante? –além de irritada também se sentiu insultada.
- Vossa Alteza é muito inteligente. – voltou a estampar um sorriso malicioso nos lábios, mostrando seus dentes que pareciam perfeitos demais para alguém que vestia roupas tão surradas.
- Eu não vou ficar aqui para ouvir seus absurdos! Eu... Vou atrás do meu irmão! – olhou em volta e dirigiu-se para o sul, posição à qual julgou ser a certa.

Alan rapidamente levantou-se e a segurou pelo braço, puxando-a e fazendo com que girasse no próprio eixo, ficando de frente para ele. A ação havia a assustado.

- Não viemos por este lado. – sorriu, mas logo ficou sério - E não adianta voltar pelo mesmo caminho. Não tinha como subir o declive. Era íngreme demais. – demonstrou um sorriso menos maldoso – E já se passaram várias horas desde o incidente. O “Senhor Gentileza” já deve ter levado o príncipe rumo a sua cidade.
- Não tem como ter certeza! – afastou-se dele.
- Olhe à sua volta. Está escuro. – passou os dedos por entre as mechas bagunçadas do cabelo dourado que caíam no rosto - Mesmo que encontre um caminho de volta para a parte alta da floresta, a iluminação será fraca demais para tentar se encontrar alguém.

Moira sabia que ele tinha razão, mas não conseguia ficar calma sem ter notícia alguma sobre seu irmão e a presença daquele homem que havia a enganado o tempo todo também incomodava-a demais. Sem saber o que mais fazer, nem como se tranquilizar, a princesa ajoelhou-se perto da fogueira, pois o frio estava ficando mais intenso com a chegada da noite. Ao fazer o movimento deixou escapar outro gemido com a dor que sentiu no joelho.

- Sua perna está doendo? – Alan, que já havia voltado a se sentar antes dela, fitou-a novamente.

A jovem não o respondeu, apenas devolveu um olhar cheio de ódio.

- Está bem. – ele puxou o próprio corpo para mais perto dela – Deixe-me ver. – estendeu a mão próxima ao joelho da garota, esboçando um sorriso ardiloso, entretanto Moira reagiu encolhendo-se e tentando se afastar.

Vendo a reação da princesa ele arfou e então se inclinou rapidamente na direção dela, agarrando sua coxa sobre o tecido do vestido com uma das mãos e puxando-a para si, o que fez com que a jovem caísse com a lateral do corpo para trás com o puxão.

- Co-Como se atreve!? – esbravejou tentando se apoiar sobre os cotovelos para reerguer o corpo.

Alan percebeu que a parte do vestido que cobria o joelho direito estava rasgada e manchada de sangue.
Utilizando-se novamente de nenhuma delicadeza, o sujeito segurou a panturrilha da princesa e apoiou sua perna sobre a dele, analisando mais de perto.

- Pare com isso! Não toque em mim! – tentou puxar a perna para longe, mas Alan a segurou e rasgou o tecido sobre a ferida.
- É grande, mas foi só um raspão. Não vai deixar marca. – explicou enquanto rasgava o vestido novamente, arrancando um grande pedaço de tecido.
- O que está fazendo!? Não! – Estava assustada e se sentia humilhada, enquanto tentava soltar sua perna, arrastando-se para trás desesperadamente.
- Quieta! – puxou a perna dela para cima e apoiou o pé sobre o próprio ombro, enquanto segurava a outra perna com o joelho.
- P-por favor! –Não conseguia mais mover suas pernas, ambas estavam imobilizadas.

O sujeito nada gentil amarrou o trapo que havia feito de tecido do vestido já surrado da princesa em cima do joelho ferido e então a libertou.

- Pronto. – esboçou um sorriso malicioso e voltou a se sentar de frente para a fogueira.

Moira rastejou para trás nervosamente e parou quase do outro lado do fogo. Fitava-o com receio, encolhendo-se de medo.

- Nunca mais toque em mim... – o pedido saiu fraco como um murmúrio.
- Não posso fazer um curativo sem tocar em você. – respondia tranquilamente enquanto mantinha a atenção na fogueira, parecendo pensativo.
- Não lhe dei permissão para se dirigir a mim de maneira tão informal. – sentou-se e se ajeitou, logo em seguida olhou para o pano amarrado em seu joelho, que ficava exposto graças à abertura que Alan havia feito no vestido.
- Olhe a sua volta. Se não está gostando pode ir embora. “VOCÊ” não está presa. – olhou no fundo dos olhos da princesa.

Ela se encolheu mais uma vez e abraçou as pernas, desviando o olhar. Queria ir embora, mas sabia que iria se perder e não tinha arma alguma para se defender caso uma criatura agressiva surgisse. Compreendia que teria mais chances se ficasse com ele. Permaneceu, por um tempo, olhando em direção aos pés, tentando se acalmar e voltar à racionalidade. O silêncio que havia tomado conta do ambiente estava a incomodando, fazia com que Moira se sentisse só e essa sensação a deixava ainda mais nervosa.

- Eu... – suspirou, tomando coragem para falar e tentando fingir que o evento anterior não houvesse realmente acontecido – Eu estou com sede... – novamente falou em um sussurro.

Alan deu mais um sorriso, todos que ele demonstrava pareciam ser mal-intencionados. Colocou a mão no cinto e desprendeu de lá um cantil de couro.

- Pegue. – jogou por cima da fogueira na direção da garota e o cantil bateu nos braços dela que estavam protegendo seu rosto contra o objeto.
- Não jogue em mim, seu mal-educado! – pegou o objeto feito em couro e examinou-o com desdém.
- É agua. Se não vai beber pode devolver. – estendeu a mão.

Ela lhe lançou um olhar rancoroso e então voltou à atenção para o cantil. Puxou a tampa e colocou a abertura do cantil na boca, bebendo a água com o rosto contorcido de repulsa. Alan apenas a observava parecendo se divertir com a careta que fazia. A princesa, ao acabar de beber, deu um suspiro e fechou o cantil, jogando-o de volta para o forasteiro que imediatamente o pegou e ficou observando a garota por mais um tempo.

- Pare de ficar me olhando assim. – pediu com um tom de voz aborrecido.
- Como quiser Vossa Alteza. – respondeu em um tom sarcástico e removeu a tampa do cantil de couro, bebendo o que havia sobrado da água.
- Como é o seu nome? – ainda mantinha o tom de voz que deixava seu ódio exposto – O verdadeiro.
- Ian. – respondeu enquanto secava a boca com o tecido da manga de sua camisa.
- Não brinque comigo! – elevou o tom, irritada.
- Não estou.
- Como seu nome pode ser tão parecido com o que eu lhe dei? – ainda não acreditava na afirmação dele, mas tinha a impressão de já ter ouvido aquele nome, só não conseguia lembrar onde.
- Sou eu quem deveria fazer essa pergunta.  – franziu a testa, parecendo sério.

Pensou por mais alguns instantes até que finalmente conseguiu se recordar de onde havia ouvido antes.

- O Senhor Dário lhe chamou assim também! – inclinou-se para frente alvoroçada – Você disse seu nome para ele em algum momento, talvez enquanto Maxwell e eu estávamos correndo pela floresta! Ou... – deu uma pausa – Vocês já se conheciam! – apontou para Ian assustada.
- O conheci no mesmo dia que vocês. – deu uma rápida risada, tranquilizando sua expressão anterior.
- Então vocês conversaram! – irritou-se ao imaginar que Dário também havia escondido o fato do forasteiro ser capaz de falar.

O sujeito apenas sorriu e desconversou.

- É melhor que Vossa Alteza durma um pouco mais. Teremos muito caminho para percorrer amanhã. – ajeitou o cachecol surrado no pescoço.
- De novo dormir no chão?  - cruzou os braços e fez uma expressão carrancuda.
- Ao menos que queria dormir em cima de uma arvore ou... – sorriu - Em cima de mim.
- Prefiro dormir em uma pedra! – gritou, sentindo-se muito ofendida com a alternativa dada por ele.
- Então ache uma para você. – sempre respondia tranquilamente enquanto a princesa se irritava cada vez mais.

Moira bufou. Lançou-lhe mais uma expressão carrancuda e deitou-se de costas para ele e para o fogo.

- Não ouse chegar perto de mim. – a jovem disse ao se acomodar penosamente no chão, sabia que estava nervosa demais para dormir, mesmo assim precisava tentar descansar.

Ian apenas sorriu enquanto passava mais uma vez os dedos por entre os cachos disformes do cabelo. Com toda aquela conversa sem sentido o sujeito havia percebido que estava gostando de importunar a coitada da princesa. Ele não se divertia assim já havia algum tempo.



Continua...

Natalie Bear

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Capítulo 6 - Parte 3

Capítulo 6: A Capa Negra

Parte 3: Visita Indesejada




A luz da manhã invadiu os olhos de Moira que ainda estavam acostumados com a escuridão. Primeiro levantou o corpo, atordoada, e percebeu que abaixo dela havia várias folhas mortas forrando o chão de terra. Não conseguia lembrar como tinha dormindo ali. Quando sua visão se habituou à luz tentou olhar em volta, refrescar sua memória, mas acabou por se espantar com o que viu.  Alan estava de volta mesmo que Moira houvesse o mandado embora e dito para jamais aparecer novamente, lá estava ele, recostado em uma das árvores, de braços cruzados a fitando com o costumeiro olhar gélido.

- Você, por acaso, é um imbecil? – esquecia-se completamente do medo que chegou a sentir dele e deu lugar a sua irritação – Eu lhe mandei sumir! O que está fazendo aqui? E pare de dirigir esse seu olhar para mim! – gesticulou, apontou para ele e sacudiu a cabeça, tudo para demonstrar o quão furiosa estava.

No entanto Alan não moveu nem um músculo, estava imóvel como uma estátua. Como um animal observando sua presa de longe.

- Está surdo também? Abaixe seus olhos quando eu estiver falando com você! – levantou-se parcialmente, ficando de joelhos sobre o solo e inclinando o corpo para frente, quase sobre os restos da fogueira já apagada, enquanto apontava para ele.

O misterioso sujeito , enfim se moveu, levantando-se do chão e ficando de pé. Estava bem acima da princesa, porém pareceu finalmente a obedecer, virando o rosto para outro lado.

Moira deixou que a irritação abandonasse seu rosto e tranquilizou-se. Ao olhar novamente para Alan percebeu que ele estava vestindo sua manopla de garras, além de o cachecol vermelho desbotado e surrado novamente.

- Então você recuperou os seus objetos. Quer dizer que ainda rondou pelo castelo depois que lhe mandei ir embora. Você é realmente péssimo para seguir ordens... – bufou, levantando-se preguiçosamente do chão. – Argh. – esticava costas e braços – Estou dolorida... E com fome.

Alan prontamente inseriu a mão dentro do colete velho que estava usando e de lá tirou uma maçã vermelha e brilhante, oferecendo-a para a princesa.

- Não vou comer isto! Você acabou de tirar a fruta de dentro desse seu colete imundo! – esbravejou, enquanto tentava imaginar o que mais ele guardava dentro do colete além de uma adaga e comida.

O sujeito ergueu os ombros, demonstrando seu desinteresse sobre o que ela achava, virou-se para outra direção e deu uma mordida na fruta.

- Agora vai me desrespeitar também? E onde estamos? E o que está fazendo aqui? – havia retornado ao seu momento de irritação.

Ele ignorou suas perguntas e prosseguiu comendo a maçã lentamente, como se estivesse provocando a jovem faminta.

- Na prisão eu lhe dei minha refeição duas vezes! Seu ingrato! – bradou com mais gesticulações.

O homem parou subitamente de morder a maçã e voltou a fita-la de forma compenetrada. Um olhar que a deixou mais assustada do que normalmente acontecia.

- Não me olhe assim. – havia abaixado o tom de voz, estava nervosa com aqueles olhos sobre ela.

Alan então esboçou um sorriso malicioso para a princesa e voltou a comer sua fruta. O que ele acabara de fazer deixou-a completamente confusa. Até mesmo porque não havia o visto mudar a expressão facial ainda, pelo menos não para uma que não fosse extremamente ameaçadora. O sujeito havia percebido o quanto aquilo havia a perturbado, na verdade ele havia sorrido justamente para causar aquele tipo de reação nela.

- E-E onde está o Maxwell? – virou-se para procurar seu irmão em volta do local, tentando fingir que não havia visto nada.

O sujeito loiro apontou para o norte enquanto dava a última mordida na fruta. Quando Moira olhou para a mesma direção em que ele apontava, conseguiu ver duas pessoas aproximando-se. Eram Dário e Maxwell.

- Moira! – o irmão mais novo correu até ela trazendo algumas frutas silvestres acomodadas no tecido da capa que antes vestia. – Está se sentindo bem?
- Estou. –acariciou a cabeça de Max – Mas estou com fome.
- Vossa Alteza. –Dário sorriu – Bom dia. – também trazia frutas consigo.
-Bom dia. – devolveu o sorriso e então se dirigiu novamente ao irmão – Posso pegar uma dessas suas frutas?
- Pode, eu as peguei para você também. – esticou a capa, oferecendo.
- Que fruta é esta? – recolheu uma – É bonita. – mordiscou a fruta.
- Um morango. – explicou Dário – Vossa Alteza nunca havia visto um?
- Acho que já vi em algum livro. Eu gostei. – comeu mais um pedaço.

Maxwell depositou a capa com as frutas sobre o chão e também pegou um morango para provar, mordendo-o.

- É bom, mas acho que poderia ser mais doce. – arqueou suas sobrancelhas finas.
- Para mim está bom assim. – Moira sentou-se ao lado da capa com as frutas e pegou mais um, junto com uma ameixa.

O jovem príncipe juntou-se a ela também, ajoelhando-se e se servindo de mais algumas outras frutas que havia colhido pela floresta, como amoras e “uva-dos-montes”. Logo Dário havia se unido aos dois, sentando-se ao lado do príncipe e pegando uma pêra para comer. Os três conversavam e comiam sua refeição enquanto Alan estava mais afastado, parecendo estar concentrado em distantes pensamentos. Apenas depois que eles terminaram, o forasteiro resolveu comer algumas poucas frutas.

- Nós já esperamos a dia amanhecer e já comemos também. Agora precisamos ir atrás do Senhor Siro! – Maxwell tentou se mostrar imponente aos demais, para que finalmente acatassem ao seu pedido.
- Nós iremos encontra-lo Vossa Alteza. – Dário deu mais um de seus gentis sorrisos – Só precisamos reencontrar a direção pela qual viemos ontem. – olhou em direção a Alan, que já estava procurando o caminho.

O homem misterioso avançou por uma passagem entre as árvores sem aviso prévio para os demais, forçando-os a seguirem-no apressadamente. Por quase uma hora Dário e os filhos do rei acompanharam Alan pelo suposto caminho que daria para onde Siro havia sido lançado para longe da carruagem.

- Estávamos tão longe assim dele? – Moira reclamou, já sentindo seus pés ficando doloridos, principalmente porque agora suas botas pareciam apertar os pés e um vento gelado estava a deixando com frio.
- Eu não tenho certeza. – Dário respondeu, com a atenção voltada para floresta.
- Não precisamos ir para a estrada? – Maxwell estava impaciente e preocupado com seu guarda – Não seria mais fácil seguir por ela?
- Tente descobrir com o senhor Alan para onde ele está nos levando.

O príncipe passou de Dário e foi até o homem que estava os guiando.

- Senhor Alan. Estamos procurando pelo senhor Siro? – franziu a testa enquanto olhava com seriedade para ele.

O guia, que havia parado de andar para ouvir o que Max tinha para dizer, acenou com a cabeça positivamente e seguiu seu caminho, deixando-o para trás.

- Será que podemos parar um pouco? – perguntou a princesa, que não se sentia disposta o suficiente para continuar caminhando.

Alan parou repentinamente e fez um gesto para que os três também interrompessem a caminhada.

- Oh! Eu estava precisando parar. – a jovem disse em um suspiro de alívio, no entanto Dário pediu para que ficasse em silêncio, algo estava errado.
- De novo... – O cavalheiro balbuciou, mudando sua expressão tranquila para uma de apreensão.

- O que está acontecendo? – o príncipe estava preocupado com as reações dos dois homens.

Em um movimento rápido, Alan ergueu o braço e apontou para sua esquerda. Moira e Maxwell acompanharam o gesto e perceberam que naquela posição havia uma pessoa distante, vestindo um longo manto negro com capuz que escondia perfeitamente seu rosto. Era a mesma pessoa da noite anterior. A visão daquele que havia os atacado assustou-os. Moira aproximou-se do irmão e segurou seu braço, puxando-o para si.

- Por que você voltou? – Dário havia falado com um tom de voz assustadoramente autoritário.

A figura, que à luz do sol já não era tão apavorante e fantasmagórica quanto na escuridão da noite, não respondeu, nem mesmo esboçou reação alguma. Parecia até estar petrificada, segurando suas belas armas uma em cada mão.

- Então volte de onde veio! – Dário continuou tentando espantar quem quer que fosse.

Alan recuou alguns passos, ficando próximo aos outros três sem tirar os olhos da ameaça por sequer um segundo. Até mesmo ele parecia preocupado.

Inesperadamente a pessoa misteriosa moveu-se muito depressa e correu na direção deles como uma flecha em direção ao seu alvo. As armas brilhavam intensamente em suas mãos, graças aos raios de sol que penetravam por entre as espessas camadas de folhas que cobriam os galhos das enormes árvores.

O forasteiro sacou velozmente a espada que trazia em sua cintura e colocou-se na frente dos outros três, conseguindo movimentar-se tão rápido quanto o atacante, a ponto deparar o ataque, produzindo um alto som metálico com as amas se chocando. Sem perder tempo o misterioso adversário jogou o corpo para trás, girou as armas nas mãos e investiu mais uma vez contra o seu novo oponente. Desta vez um golpe bem mais baixo que o anterior, que havia mirado praticamente na cabeça de Alan, mesmo que a pessoa vestindo o manto fosse mais baixa que ele. O ataque foi parado ao chocar-se contra a manopla que Alan usou para se defender, impulsionando os braços do inimigo para cima. Ele aproveitou que havia aberto a guarda de seu oponente e também o empurrou para longe, para ganhar tempo de se reposicionar.

- Fiquem perto de mim. – Disse Dário aproximando-se dos dois irmãos assustados.

O ser encapuzado recuou ainda mais e subiu, em uma corrida, uma das árvores com velocidade fenomenal, era como se estivesse desafiando a gravidade, embora o tronco não fosse tão longo.

- Por que ele voltou? - perguntou Maxwell, tentando controlar o nervosismo que a situação estava lhe causando, mas não obteve resposta de ninguém.

O misterioso adversário desapareceu dentro da copa da árvore. Era difícil descobrir sua posição olhando para o movimento das folhas, pois o vento estava as chacoalhando demais. O forasteiro tentava descobrir para onde o inimigo havia ido, parecia certo de que a pessoa não havia simplesmente desistido. Dário também estava em alerta, vigiava todas as direções possíveis.

- Acalme-se. – Moira sussurrou para o irmão, escondendo seu medo – Você os viu naquele duelo. Eles podem nos proteger.

Uma sombra negra surgiu sobre as cabeças dos dois irmãos. O ser encapuzado havia finalmente saltado para fora das copas de árvores e estava mirando suas adagas letais no príncipe e na princesa. Moira, em um movimento de reflexo, abraçou seu irmão mais novo e caiu de joelhos, levando-o junto. A irmã protetora curvou-se sobre ele e fechou os olhos, esperando pelo pior, mas estranhamente o som metálico que aconteceu no instante seguinte soou como a mais bela melodia para seus ouvidos. Quando a princesa reergueu a cabeça e abriu os olhos enxergou Dário caído mais afastado e a pessoa misteriosa também estava no chão, a alguns metros dele. Os dois haviam sido arremedados para trás pela potência com que as armas se chocaram. A jovem sentiu um imediato alívio e seu coração, que estava batendo nervosamente.

- Ian, a maldita assassina veio atrás deles! – apontou para os irmãos, estava visivelmente nervoso e parecendo meio cansado.

- A assassina? – Moira sussurrou, intrigada – Ian? – a principio a princesa não havia entendido por que Dário havia chamado Alan de Ian, mas depois imaginou que, por ter sido algo tão parecido, ele só havia errado a pronúncia naquele momento crítico.

O forasteiro colocou-se entre os irmãos e a assassina que levantava do chão. Ele lançou-se na direção dela e desferiu um ataque curvo de baixo para cima com a lâmina da espada, que foi prontamente desviado ao bater nas armas dela. Alan, que não havia dormido nada durante a noite e agora estava sentido seu corpo mais lento do que o de costume, tudo por causa do cansaço.

- O que você quer com eles? – Dário havia se levantado e se aproximado dela por trás.

A assassina não respondeu, ao invés disso abaixou-se muito rapidamente e girou o corpo, batendo com a panturrilha nas pernas de Dário e o derrubando. Ela aproveitou o descuido do oponente e se afastou novamente.

- Pare de brincar conosco! – Dário gritou, irritado, enquanto levantava-se.

A mulher então parou e ficou de frente para Alan, o encarando debaixo de seu capuz negro. Ela finalmente tirou-o de cima da cabeça, revelando-se. Tinha um longo cabelo negro preso em um rabo-de-cavalo e sua pele era bronzeada, embora mais clara que a de Alan. Mas havia algo que fez o príncipe e a princesa ficarem ainda mais nervosos do que já estavam. Seus olhos de um tom vermelho-brilhante. Além das íris não naturais também trazia um sorriso sádico em seus lábios.

Outra vez os olhos...

- O que isto significa? – Moira, que estava inquieta e muito irritada, soltou seu irmão caçula e levantou-se, afastando-se um pouco dele para mais perto do combate.

A mulher assustadora olhou diretamente nos olhos da princesa. A ação deixou a jovem princesa apavorada e a fez parar subitamente no meio do caminho.

- Fique onde está!- Dário pediu para Moira enquanto colocava-se na postura de combate, ajeitando o florete nas mãos.

A assassina fitou Dário e lançou um sorriso maldoso, enquanto colocava a mão dentro do manto que usava, tirando de lá um estranho objeto pequeno e oval. Ele a olhou com confusão, não parecia saber o que era, no entanto Alan ficou agitado repentinamente. No momento em que a estranha ergueu o braço com o qual segurava o objeto e inclinou-o para trás, para arremessá-lo, o sujeito de cabelos louros virou-se de costas para ela e correu na direção dos dois irmãos. Moira não sabia o que aquilo poderia ser, mas pela reação estranha de Alan ela se apavorou, ainda mais quando percebeu que ele corria em sua direção, sentindo seu corpo gelar.

A princesa em pânico acabou cobrindo o rosto com o tecido de suas mangas azuis manchadas pela terra. Ela sentiu o sujeito a agarrar como se houvesse a abraçado e no instante seguinte ouviu um som ensurdecedor e sentiu um estranho impacto os arremessando para o mesmo sentido em que Alan corria. Um brilho chamou sua atenção e a fez abrir os olhos. Moira presenciou algo muito brilhante diante de seus olhos. O fogo se espalhava pelo ar expandindo-se muito rapidamente. O estrondo havia sido tão alto que seus ouvidos pareciam incapazes de ouvir outro som. A princesa chegou a sentir o calor da explosão chegar próximo ao seu rosto. Ela havia visto tudo aquilo por cima do ombro de Alan enquanto eram brutalmente jogados para longe. Ambos foram arremessados para um grande e íngreme declive que estava escondido pela vegetação. O forasteiro, com o impacto contra o chão de terra úmida, acabou soltando a princesa e os dois rolaram pela terra por mais de trinta metros, finalmente parando em um trecho plano.

Demorou alguns minutos para que Alan levantasse, ficando sentado sobre o chão. Estava atordoado e precisou de mais um minuto para se recuperar da brusca descida. Finalmente lembrou-se de Moira e passou seus olhos em volta do local, procurando-a. Ela não se encontrava muito distante, a roupa a capa estavam com vários rasgões e manchadas pelo barro. A jovem parecia estar desacordada, deitada de bruços sobre o grande amontoado de folhas mortas que cobria todo o chão dali.

Quando ficou de pé ele sentiu parte das costas arderem, o que não era um bom sinal. O fogo havia chegado até ele e o queimado. Alan não julgava ser um ferimento muito sério, entretanto não tinha como ter certeza. As outras escoriações, causadas pela queda, não pareciam lhe incomodar tanto quanto o cansaço de seu corpo e mente. Ter passado quatro dias em uma cela de pedra e não tendo descansado nada na noite anterior havia comprometido demais seu desempenho.

Olhou para cima, para a grande rampa natural em que haviam acabado de descer. Era feita de barro e era muito inclinada para que pudesse subi-la de volta. Também não tinha como saber o que tinha acontecido com os que haviam ficado lá em cima.

O já pequeno grupo havia sofrido um estranho atentado e acabou sendo forcado a se separar ainda mais. Os estados de Dário e Maxwell eram desconhecidos e Moira estava desacordada, talvez até ferida mais seriamente.

A situação havia acabado de ficar muito complicada.


Capítulo 6: Fim

Natalie Bear

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Storyboard Cap 1 - parte 1 por Caique Guerra

Estreando a página (precária) de ilustrações!

E estreando com o storyboard que o Ky fez para a primeira parte do capitulo 1!


Muito obrigada Ky <3!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Capítulo 6 - Parte 2

Capítulo 6: A Capa Negra

Parte 2: Entre Amigos


Um som de passos sobre folhas secas despertou o pequeno príncipe que antes havia tentado ficar atento aos ruídos da floresta, mas acabou se rendendo ao sono. Estava assustado e nem poderia fugir, pois sua irmã estava ali, desacordada. O pavor e a exaustão haviam a feito desmaiar em seus braços.  Ele não sabia como agir. Se fosse um animal selvagem não teria como escapar. Tudo o que podia fazer era esperar por seu destino em silêncio.

- Vossa Alteza?

O príncipe ouviu a voz de Dário distante e sentiu todo o pavor ser substituído por esperança, chegou até a pensar em gritar para que o seu amigo o encontrasse, mas tinha medo de atrair alguma criatura indesejada. Resolveu esperar que ele o encontrasse.

- Vossa Alteza! – Dário surgiu de trás de uma árvore, parecendo ter corrido até lá, pois estava ofegante.
- Você nos encontrou! - seus olhos brilhavam cheios de felicidade.
- O que houve com a princesa? – aproximou-se dos dois e se agachou.
- Ela desmaiou, mas agora acho que está apenas dormindo. – tentava se ajeitar na posição em que estava, recostado a uma árvore não muito larga, enquanto suportava parte do peso de sua irmã sobre ele -- E Siro? Você o encontrou?? – o jovem príncipe estava agitado.
- Não encontrei. – sentou-se ao lado de Max, também encostando-se à arvore e suspirando - Não pude ir procurar ainda, estava preocupado com Vossa Alteza e sua irmã.
- E se ele estiver ferido? E você? Não foi ferido pela pessoa que nos atacou? Você o enfrentou? – estava agitado.
- Na verdade não fui eu quem enfrentou. – já tinha um semblante mais tranquilo.
- Quem foi? – perguntou com uma mistura de confusão e curiosidade estampadas em seu rosto.
- Alan. – deixou um risinho escapar pelo canto da boca.
- Mas... Como ele estava lá? – arregalou os olhos, quase não conseguindo acreditar nas palavras de Dário.
- Parece que ele estava na parte de trás da nossa carruagem. Estava viajando conosco. – riu.
- Ah... – Maxwell estava espantado com a história, boquiaberto, antes nem mesmo sabia que o seu antigo guarda também havia fugido da prisão – Então... Onde ele está?
- Não muito longe de nós. Deve estar se certificando de que quem nos atacou não tente o fazer novamente. – inclinou o corpo para frente e parecia examinar o rosto da princesa, que estava sobre o tórax de seu irmão mais novo.
- Quer dizer que está nos protegendo!? – aumentou muito o tom da voz sem perceber.

 As folhas das copas das árvores logo acima das cabeças deles começaram a sacudir e em seguida algo saiu de lá e desceu em um pulo. O acontecimento deixou o príncipe assustado mais uma vez.

- Oh. Já chegou. – disse Dário com um sorriso.

Alan havia surgido repentinamente de cima de uma árvore, como se fosse um pássaro que acabara de pousar de um de seus voos. Maxwell, naquele momento, não conseguia imaginar como ele havia vindo de cima. O estranho guerreiro sentou-se no chão, exatamente no mesmo lugar em que havia pousado.

- A princesa não está muito pesada para Vossa Alteza? – Dário interrompeu os pensamentos de Max, que tentava entender a situação.
- Agora que mencionou... Meu braço esquerdo está ficando dormente. – tentou mover o ombro, mas ficou com receio de acordar sua irmã.
- Deixe-me ajudar. Se me permitires irei apoiá-la sobre meu ombro. – levantou e trocou de lado, sentando-se próximo à princesa.
- Eu agradeceria, está bem incômodo... Mas eu gostaria que ela não acordasse. A Moira precisa descansar
- Então vamos tentar fazer a troca sem acordá-la. – sorria, demonstrando que todo o problema que haviam passado antes já não o preocupava mais.

O príncipe levantou um pouco o corpo com cuidado, ficando com o tronco ereto e permitindo que Dário puxasse delicadamente a princesa para si, segurando-a pelos ombros. Ele deitou a cabeça dela sobre seu próprio peito e neste momento Moira moveu-se como se fosse acordar, no entanto acomodou-se sobre o tórax de Dário e fechou as mãos, agarrando o tecido da camisa dele.

- Parece que ela não acordou – Max levantou-se e se espreguiçou, esticando os braços para o alto – Estou meio dolorido como se eu houvesse participado de um treinamento muito rigoroso de combate.

Dário deu uma rápida risadinha e depois fitou Alan que estava os observando.

- Vossa Alteza não está sentindo frio? A temperatura já está muito baixa. – voltou os olhos para o príncipe.
- Sim. Está frio aqui. – encolheu os ombros e atravessou os braços em frente ao corpo.
- Será que o senhor Alan não poderia fazer uma fogueira para aquecer Vossa Alteza e a princesa? – novamente o encarou.

Alan fitou-o com seu olhar ameaçador. Por vários segundos encarou-o como se estivesse olhando para um inimigo. Parecia não ter gostado do pedido de Dário, mas, mesmo assim, levantou-se e se retirou floresta adentro, sumindo rapidamente da visão do príncipe.

- Ainda estou preocupado com o senhor Siro. Ele pode estar ferido e precisando de ajuda. – o príncipe tentava ignorar o fato de Alan estar junto deles, já que havia adquirido certo receio de ter ele por perto depois do que fez.
- Não estamos em condições de procurar alguém que está tão distante de nós nesta escuridão. – Dário falava baixo para não acordar a princesa adormecida sobre seu peito.
- Mas você nos achou. Mesmo que nós tenhamos nos distanciado.  – voltou a sentar-se depois de ter feito alguns movimentos para alongar os músculos.
- Vossa Alteza estava muito mais próximo. – franziu a testa – Me perdoe por não poder resgatar vosso guarda...
- Eu... Eu entendo... – baixou a cabeça.

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. Dário cuidava para manter a princesa o mais confortável que conseguia, enquanto o príncipe parecia cabisbaixo e pensativo. O cavalheiro examinava o rosto da jovem adormecida. A mancha vermelha estampada em seu rosto e o corte no lábio inferior estava melhorando, mais alguns dias e desapareceria.  Moira estava com o cabelo trançado, a longa e pesada trança caia sobre seu ombro e também no colete escuro que Dário vestia em cima da camisa.

Não demorou muito mais para que Alan voltasse trazendo consigo uma grande pilha de galhos, gravetos e pedaços de troncos que havia recolhido pelas proximidades. O homem sentou-se em frente aos outros dois e soltou o amontoado de galhos. Ele juntou folhas secas espalhadas pelo chão e pegou um dos galhos de cima da pilha, esfregando sua ponta sobre a superfície de outro mais largo. Repetiu o processo por mais algumas vezes até que pareceu conseguir obter brasa. Em pouco tempo havia conseguido ascender uma fogueira, utilizando toda a madeira que havia trazido como combustível, para aquecê-los.

Maxwell havia prestado atenção em todas as etapas do processo que Alan havia usado para ascender o fogo. Olhava com grande curiosidade. Nunca havia visto alguém iniciar uma fogueira como aquela.
Vários minutos se passaram. O jovem príncipe fitava seu antigo guarda que estava do outro lado da fogueira desconfiadamente. Tentava entende-lo, mas não sabia como. Alan devolvia o olhar, apenas observando o modo receoso com o qual Maxwell lhe fitava. O jovem finalmente tomou coragem de expor sua desconfiança e começou a falar:

- Por que você atacou o Duque Dominus? – não esperava uma resposta, apenas sentia a vontade de fazer essa pergunta que já estava o perturbando há algum tempo.

O forasteiro ficou por vários minutos fitando o garoto concentradamente, até que piscou os olhos e baixou a cabeça por um instante. Quando retornou para a posição anterior indicou com o dedo o próprio rosto e, em seguida, apontou para Moira e Dário.

- O que isso quer dizer? – Maxwell havia ficado confuso, não conseguia compreender.
- Vossa Alteza. Ele provavelmente está falando sobre o rosto de sua irmã. Foi o duque que a golpeou. – Dário, que estava prestando atenção nos dois se intrometeu.
- O duque que fez isso!? – ficou espantado e agitado – Mas como...? Mas como o senhor sabe disso? E como Alan também sabe?
- Para mim foi apenas uma dedução que acabou se tornando real... Já o Alan... Eu não sei. Talvez tenha chegado a essa conclusão da mesma forma.
- Alan? É realmente o que você quis dizer?

O sujeito assentiu com a cabeça.

- Por que o duque faria isso? – inclinou-se para frente e apoiou os punhos fortemente cerrados sobre as pernas.
- Dominus é um homem impulsivo. – ajeitou-se cuidadosamente na posição que estava – Provavelmente se arrependeu depois de tê-lo feito. Deve ter agido em um momento de exaltação. – deixou uma expressão de preocupação se manifestar em seu rosto por alguns instantes.
- O rei vai puni-lo. – disse Maxwell visivelmente irritado.
- Mas já que estamos falando da princesa, me esqueci de perguntar antes. Você sabe o motivo de ela ter perdido os sentidos? – estava curioso.
- Moira tem pavor de se perder na floresta. – encolheu as pernas, ainda indignado com a informação que havia acabado de receber - Ela entrou em pânico. Mas – bufou – Como eu deixei a minha irmã ficar perto do duque!? Não posso permitir que ela case-se com um homem assim!  - bateu os punhos contra o chão de terra.
- Vossa Alteza não precisa se preocupar mais com isso. – sorriu gentilmente - Ela já está fora do castelo do duque e depois que falarem o que aconteceu para o rei, eu tenho certeza que Vossa Majestade irá mudar de ideia.
- Você tem razão. – suspirou, parecendo aliviado.
- É melhor Vossa Alteza descansar um pouco. Quando o sol nascer nós poderemos procurar o Senhor Siro.
- Irei tentar. – Maxwell tentou acomodar o corpo contra o tronco da árvore que não era nada confortável.

Não demorou muito para que o garoto caísse em um pesado sono. Ele realmente estava bastante cansado graças a todo o transtorno que a fuga interrompida proporcionou.

- Eles dormem tão tranquilamente mesmo em uma situação como esta. Não é incrível? – sorriu maliciosamente para Alan enquanto passava gentilmente a mão sobre a cabeça da princesa.

O sujeito lhe lançou um olhar maldoso e, em seguida, baixou a cabeça e ficou fitando o fogo de sua fogueira. A luz emanada pela chama refletia em seus olhos, emitindo um brilho quase espectral, principalmente em seu olho direito.

- Oh. Perdoe-me, mas eu não tive a chance de dizer isto antes. Estou lisonjeado de finalmente lhe conhecer pessoalmente. – passou os dedos por entre as madeixas do cabelo da princesa que estavam soltas – Até então eu só havia ouvido várias histórias sobre o senhor. Jamais imaginei que fosse tão novo. Não deve ser muito mais velho do que eu.

Alan levantou novamente a cabeça e virou-a na direção do homem que falava com ele. Rapidamente pode perceber que os olhos de Dário, que antes eram de um marrom claro, estavam vermelhos, exatamente como seu olho direito. Entretanto aquilo não o espantou. Na verdade o forasteiro já sabia o que ele era desde o primeiro instante que o viu.

- Perdoe-me por ter envolvido estes dois nisso. – continuou - Eu não imaginava que algo assim fosse acontecer. – suspirou e jogou a cabeça para trás, fechando os olhos por alguns instantes – Aliás, há algo que me intriga. Por que o senhor está os servindo? –ficou em silencio por alguns instantes e fitou o príncipe adormecido – Ambos são inteligentes, não acha? O garoto é inocente, mas também é muito novo, provavelmente vai ser tão esperto quanto esta daqui. – novamente acariciou a cabeça de Moira – A princesa é muito bela. Eu conheci a irmã mais velha deles, Miriam, a Rainha de Miraluna, e posso dizer que Moira é muito mais bela que a rainha. – cravou o olhar ardiloso sobre os olhos de Alan – Não é tentador tê-la nos braços assim?

O sujeito de cabelos louros, que fitava Dário com a mesma perversidade com que era encarado, baixou a cabeça e ficou algum tempo assim, até que, repentinamente, começou a rir.

- Oh. Eu não costumo falhar assim. – também deu uma risada – O senhor é alguém difícil de decifrar. – seus olhos voltaram à cor original e sua expressão tornou-se mais amena- Logo vai amanhecer. É melhor descansarmos pelo menos um pouco.

Após terminar sua frase, Dário apoiou a cabeça no tronco da árvore em que estava escorado e fechou os olhos, tentando descansar. Alan mais algum tempo apenas observando os três, mas também logo se deitou sobre o chão repleto de folhas secas para tentar aproveitar o pouco de noite que ainda restava.



Continua...

Natalie Bear